DEVANEANDO...
Às vezes entro em crise comigo mesmo. Não sei se estou sendo firme o bastante ou medroso o suficiente para celebrar a minha condição de humano, limitado e assustado com a vida, tanto quanto qualquer um. Acho angustiante ser certinho o tempo todo, controlando o que me habita, que nem chega perto disso. É ruim desempenhar papéis que não são meus, que não me cabem, a não ser que eu subjugue totalmente o que gostaria de fazer.
Dá vontade de puxar a corda do bonde, fazendo suas rodas soltarem faíscas na frenagem repentina. Enquanto todos no vagão se reequilibravam zonzos, em suas primeiras cenas de retorno me veriam descer da composição, ladeira abaixo – ou acima – em direção aos meus sonhos, enfartados por uma porção de coisas que não pedi para que me responsabilizassem.
Vejo o tempo escapando por entre os meus dedos e isso me abate a alma. Ergo-me da cama assustado: ‘meu Deus, mais um dia se passou, colocando-me a menos um do meu fim. Quem irá cuidar da minha poesia? Quem vai cantar minhas canções quando eu me for? Quem vai traduzir corretamente tudo o que significou esse saco de ossos, nervos e veias que atendia pelo meu nome quando chamado?’
Uma faísca de esperança nasce teimosa, lá no último cômodo da minha alma. Um vento qualquer e travesso pode apagá-la, tão frágil e delicada é sua chama. Não me provoquem! Posso apertá-la entre os dedos, sentindo a dor derradeira de sua queimadura quase insignificante. Depois, ergo-me e vou por aí... Procurando alguma poesia, escondida num canto qualquer e esperando por alguém tão desatento quanto eu, que nela esbarre sem querer...