quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Às vezes gostava
De fazer mais que só me arrepender...

Porque após a palava dita
Impossível desdizer

Entregue a injúria escrita
Ilusório desfazer

Às vezes gostava
De fazer mais que só me arrepender ...

Depois da atitude aflita
Improvável esquecer

O alvo da ação maldita
Tão raro sobreviver

Às vezes gostava
De fazer mais que só me arrepender...


Allison S. Ambrósio

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

DEPRESSIVO
Allison da Silva Ambrósio

É como se uma voz me atormentasse no íntimo
Cobrando as peças, obras, poesias
Que tenho o dever de escrever, falar, cantar

É como se minha alma se revirasse em seus gonzos
Levando-me ao delírio de temer a morte próxima
Que leva consigo os meus dons para sete palmos abaixo

É como se toda a luta empregada não bastasse
Todo o pedido formulado não se escutasse
E o corpo bambeasse entre o real desumano
E a desumanidade do sonho

E nesse burburinho de sons e cores
DE medos e ousadias
Encontro-me muitas vezes só
No abandono de uma mente atormentada

Viro-me de um lado a outro
Busco sentido na imprecisão da vida
Bocejo, espreguiço-me
E volto a dormir o sono da indolência.

sábado, 18 de outubro de 2008

COMEÇANDO CEDO...

Por que sou assim eu não sei
Não sei e nem quero saber
Pois eu não pedi pra viver
E nem mesmo para aprender

Das minhas verdades só sei
E tudo o que quero fazer
Viver e amar até morrer
E só por amor renascer

Encontrar lugar no futuro
Viver um amor só pra mim
Amando me sentir seguro
Pois um grande amor é o meu fim

Das minhas verdades só sei
E tudo o que quero fazer
Viver e amar até morrer
E só por amor renascer

Allison da Silva Ambrósio
(canção composta por mim aos dezesseis anos de idade, que resolveu visitar minha lembrança por esses dias).
DEVANEIO AQUÁTICO


Sabe quando a gente tem muito pra falar e pouca energia para fazê-lo? Acho que foi assim que me senti esses últimos dias. Sei que faz parte do ciclo da vida, essa coisa de você experimentar picos de excitação e porões de angústia. Acordar em uma manhã de chuva, com um brilho radiante de sol nascente em seu rosto, ou então brindar uma manhã de sol com um rosto de velório.

Esses altos e baixos são ótimos para um poeta garimpar suas rimas, disfarçar seus medos, sublimar suas frustrações e ainda assim enlevar espíritos. Mas, nem sempre consigo. Parece que surfo ondas gigantes que me jogam muito fundo, quando quebram ainda no meio do oceano. Nadar em direção à superfície fica às vezes muito difícil. O corpo dói, menos pelas braçadas salvadoras, mais pela queda da crista da onda.

E assim o processo fica enfadonho. Tanto a onda quanto o enorme buraco onde ela me joga depois. Isso cansa. Dá vontade de ficar boiando na superfície, esperando uma marola piedosa que, sem muito alarde, sem movimentos muito bruscos me acalente, tranqüilize e me desloque suavemente em direção à praia. Que não me cobre esforços ou contrapartidas. Que me leve como uma mão suave que vela o sono infantil.

Então eu sonho com uma prancha colorida, enorme, segura, que me permite estar por cima, manter o controle até o fim, até a areia. Ou então com um escafandro formidável, espaçoso, pleno de oxigênio, que me permite avaliar corretamente o mais profundo abismo onde estou a fim de contemplar as belezas que também ali podem ser encontradas. Os peixes multicores de diversas formas e tamanhos, a flora marítima tão misteriosa e exclusiva. Até me aperceber que qualquer lugar pode ser bom, desde que tenhamos o equipamento certo.

Talvez seja isso. Talvez eu esteja querendo correr na areia vestido com um escafandro e surfar no fundo do oceano. Difícil de entender? Imagine de explicar...
Allison da Silva Ambrósio

domingo, 15 de junho de 2008

UM ÍMPETO DE AMOR
Allison S. Ambrósio

Uma das coisas que mais enternecem meu coração, ao pensar no meu tempo de menino é a lembrança da minha mãe, Essy da Silva, declamando alguma poesia de um dos seus autores favoritos. Mário Barreto França, Mirthes Matias, Giógia Júnior dentre outros, foram nomes bastante familiares para mim, devido a introdução formal de minha mãe, no início da sua arte: “De Mário Barreto França, A Dádiva de Maggi”; ou “De Mário Barreto França, Gesto Heróico”. E começava.

“Gesto Heróico” era a história de um garoto pobre que conseguira estudar em um colégio muito rigoroso que, ao descobrir que ele havia roubado o lanche de um colega devido a fome terrível que sofria, foi condenado a receber vinte varadas nas costas. O próprio garoto que teve o lanche furtado se dispôs a receber o castigo em seu lugar. Quase em todas as vezes, eu chorava no final da declamação.

Mário Barreto França era o número um para minha mãe, já que a maioria das poesias que ela declamava eram dele, fosse em uma cerimônia religiosa ou aniversário de alguém. E uma de suas poesias que muito me comove é “Quem Foi Que Me Beijou?”. É a história de uma mulher desclassificada, sem família e sem lar, que fora presa e recolhida à cadeia da cidade.

No momento em que chegou ali, havia uma missionária, dessas que visitam hospitais e presídios para levar algum conforto aos doentes ou presos. Ao ver a mulher suja e maltratada, com os cabelos desgrenhados e fétidos, sendo quase arrastada pelos guardas que a prenderam, o seu coração se encheu de compaixão e amor.

Num ímpeto repentino, em meio à confusão e gritos da mulher que estava sendo presa, a missionária conseguiu chegar perto dela, a ponto de dar-lhe um beijo rápido e afetuoso no rosto. Imediatamente a mulher parou de gritar, com os olhos arregalados e uma aparência de quem vira um fantasma e começou a perguntar: quem foi que me beijou? Quem foi que me beijou?

Claro que os soldados riem dela, dizendo que só poderia estar ficando louca com tal impressão. Ninguém sequer olharia em sua direção, quanto mais beija-la. A despeito da maldade dos guardas ela continuou a perguntar: quem foi que me beijou? Quem foi que me beijou?

No outro dia a missionária volta à cadeia, para as visitas costumeiras e, ao encontrar a mulher, agora penteada, vestida e calma revela ter sido ela a autora do beijo redentor. É linda a história e o desfecho melhor ainda. Agradeço aos céus pela mãe que tenho. Sua leveza de interpretação e graça de gestos brindou minha alma com cenas tão lindas da vida.

Mas, aquela missionária também influenciou muito a minha vida. Acho, inclusive, oportuno dizer que a história é verdadeira. Fico sempre pensando nesses carinhos gratuitos, nesses rompantes de afeto que temos a capacidade de expressar. Hoje mesmo, ao me lembrar de uma amiga distante, dei-lhe um telefonema. Quando atendeu, eu somente cantarolei: “I just call to say I love you”.

Ela chorou de emoção, atribuindo meu gesto a um gesto carinhoso de Deus em sua direção. Já pensou? Eu me tornei, de repente, um instrumento divino para aquela mulher! Foi quando me lembrei que ontem um amigo meu havia me ligado também. “Eu só liguei pra dizer oi”, ele disse e isto me fez tão bem...

Pois é. Está dito. Que tal fazermos o mesmo, quantas vezes sentirmos vontade? Por que, ao invés de ligar para dizer coisas ruins, não aprendemos a expressar nosso carinho, nosso amor assim, gratuitamente aos outros?

Notícia ruim não precisa de incentivo. Parece que temos um prazer mórbido de ser os portadores das más novas. Eu hein? Credo! Quero ser bênção, ser cura; não uma voz agourenta que faz as pessoas ficarem mais para baixo do que estavam antes de eu chegar. É gostoso sentir que você foi útil, foi adequado, foi companheiro para alguém. Assim como bendigo as pessoas que têm sido um bálsamo em minha vida, quero retribuir à vida, todas as graças que me concedeu. Como diria Mercedez Soza: “Gracias a la vida que me há dado tanto”. É isso aí.
ME DÁ MEU BONÉ!

Há certos dias em que sinto vontade de gritar igual ao Silvio Brito, um cantor pop dos anos 70s: "Pára o mundo que eu quero descer", inclusive dá pra terminar a frase de sua canção de tantas décadas atrás, "Que eu nao aguento mais ver o Corinthians perder o campeonato..."

Mas, o que me irrita mesmo é a minha incapacidade de "plantar o pé" no cenário musical, evangélico ou secular, da mesma maneira que vejo verdadeiros lixos rítmicos roubando-me os espaços. "Créu, créu, créu, créu!", CREDO! Não bastava o Bond do Tigrão, as popozudas, o Lacraia (vai, lacrai, vai lacraia!!!) e o povo simplesmente bebendo em grandes goles esse trauma que insistem em chamar de sucesso!

Houve um tempo que pedi a Deus que me enfartasse a veia da inspiração. Não queria mais compor. Achava uma covardia produzir músicas - modéstia às favas - ricas em conteúdo, poesia e ritmo, para ficarem morrendo comigo, ou então engrossando as rodinhas de farra entre amigos, quando muito, sendo cantadas nas igrejas (único lugar onde realmente me conformo em escutar).

É triste pensar que há tanto para mostrar, tanto para compartilhar, mas as pessoas não estão interessadas. Não se importam com poesia de verdade. Querem apenas balançar, pular, esquecer, sei lá... Querer fugir da vida, pela porta aberta mais próxima que houver. E aparece a mulher melancia, balançando-se de maneira a querer ser sensual para um público sem qualquer senso crítico.

Houve também um tempo em que achava que todo poeta precisava ser rico, para poder produzir sua obra. Mas, Eliseth Cardoso cantava que "o poeta só é grande se for triste". Talvez minha tristeza com tudo isso sirva para, pelo menos, me ajudar a compor mais canções. A turma parece só valorizar depois que se morre... Pelo menos tem a Jackie, o Léo, a Julie e a Camile para aproveitarem...

quinta-feira, 12 de junho de 2008

TEMPO QUE PASSOU
Allison S. Ambrósio

O tempo que passou me fez desaprender
A discernir a vida sem você
Parece que não sei o que é sobreviver
Se ao meu lado eu não lhe ver

Parece até que o sol insiste em brilhar
Mas sem poder a terra aquecer
E a força acabou do brilho do luar
Fazendo todo amor desaparecer

O tempo que passou me fez observar
Que estamos mais ligados hoje
Que nem importa mais o tempo que virá
Se a gente continuar assim

Um colo pra dormir, um ombro pra chorar
Uma outra visão pra enriquecer
Alguma chateação, imperfeição normal
Que faz o charme que é viver

O tempo que virá ainda vai achar
Na terra ternura e carinho
De longe perceber a nossa comunhão
Mantendo o amor em nosso ninho.

Para Jacqueline Kauffman, a parte mais bonita da minha vida há 21 anos...
Lembrança do dia dos namorados!

quarta-feira, 28 de maio de 2008

ME AGUARDEM!

Pessoal, sei que já faz tempo que não escrevo nada, mas estou a seis mil giros por hora ultimamente! Época de provas, mudança de endereço da comunidade cristã que eu lidero aqui em Floripa (um prédio antigo, muito bonito, no estilo açoreano, na Rua Anita Garibaldi 253 - Centro) entre mil "otras cositas mas"! Aguardem mais um pouquinho que tenho uma porção de assuntos pra compartilhar!

segunda-feira, 12 de maio de 2008

A DOR DE MARIA
Allison da Silva Ambrósio*

É que o meu coração está perdido
E a minha emoção está dorida
Por tentar achar razão na vida
Para a vida então fazer sentido

O que faço para esconder meu medo
De este segredo ser contado
Se é pecado ou se é culpa
Se é temor ou aflição
Os caminhos tão complexos da minha razão

Sinto o sol e sinto frio, sinto-me tão só
Me abandono, me humilho em cinza, saco e pó
E me viro para um lado, e me viro para o outro
Perguntando a Jeová qual o sentido
De ter nascido...
De ter vivido...
De ter morrido a esperança de algo bom
E eu ter ficado pra ajuntar os cacos
Os poucos farrapos
Do que me restou

* Essa é a idéia que compus para Maria explicar a dor que está sentindo. É o segundo dia, desde que seu filho fora crucificado. A canção vem após Maria Madalena tentar encorajá-la a reagir, a ver o sentido da morte de Cristo para a humanidade. Mas, tente consolar o coração de uma mãe, ao ver seu filho sendo moído e injustamente assassinado, ainda que fosse o Filho de Deus! Será uma ópera. Penso que é o meu grande projeto antes de partir...

domingo, 11 de maio de 2008

CANTAR PARA CONTAR
Allison da Silva Ambrósio

Anápolis, Goiás. O ano era 1980. Mais ou menos meio dia, do que seria o último no congresso da juventude Batista Nacional. Foi maravilhoso. Minha canção fora escolhida como hino oficial aquele ano. “Ergue a tua voz, o mundo ouvirá/ Que Deus é a paz e quer salvar/ Onde Ele mandar, ergue a tua voz/ Se Deus é por nós, quem nos deterá?”.Além de todos os amigos que vieram comigo no ônibus fretado pela igreja, o Jesiel veio dirigindo o seu Opala branco neve, acompanhado do inseparável amigo Zuca, do Bia e do Celso Azevedo.

Exceto o Bia, com quem eu não tinha um relacionamento muito aprofundado, pela ordem de amizade e caminhada viriam o Jesiel, o Zuca e o Celso.Éramos muito amigos, sendo uns mais chegados que outros. Jesiel fazia uma espécie de ponte entre todos nós, embora eu e o Zuca tivéssemos uma agenda à parte. Celso Azevedo era meu amigo musical, uma vez que sempre gostei de ouvi-lo tocar o seu violão Folk 12, com uma das cordas “G” oitavadas. Os acordes que o Celso fazia eram celestiais, enriquecedores e de muito bom gosto. Éramos amigos o suficiente para que eu acreditasse que daria certo um plano que estava concebendo em meu coração.

É que numa igreja de Anápolis haveria a apresentação do Oratório O Messias, de Haendel. O coral e a orquestra de lá eram competentes o suficiente para executar essa obra universal belíssima. Claro que eu queria ouvir! Procurei o Jesiel, o dono do carro, para tentar acomodar as coisas. Um Opala comporta tranquilamente cinco pessoas. Carro confortável e macio, nem sentiria a diferença em carregar um passageiro como eu, pesando apenas sessenta e três quilos (bons tempos aqueles...).

Jesiel concordou, principalmente por saber da minha paixão por grandes apresentações de corais. Os motivos dele eram bem outros. As garotas da igreja eram bem engraçadinhas e os meninos estavam muito desejosos de ouvir um... oratório! Com o Zuca não haveria problema. O Bia, irmão mais novo do Jesiel, naquele tempo não tinha muito “querer”, como diria minha mãe. Tudo correu bem, até chegar no Celso.Acostumado a conforto Celso bateu o pé, não querendo que eu fosse com eles. Alegou que a viagem seria incômoda (afinal, cento e dez quilômetros, a cento e vinte por hora é algo terrível!), que ele não gostava de viajar apertado e coisas assim. Se fosse para eu ir junto, ele preferiria voltar no ônibus da igreja.

Depois de argumentações insistentes sem resultado e, apesar de saber que tudo era apenas egoísmo infantil do Celso, agradeci ao Jesiel pela boa intenção da carona, mas decidi que não valeria à pena. Depois, se alguém tivesse que voltar no ônibus em meu lugar, eu ficaria tão constrangido que estragaria toda a viagem.Despedi-me deles e os observei se afastando, em direção ao centro da cidade, enquanto o motorista do ônibus guardava as últimas malas. Quando a porta do coletivo se fechou, a raiva que eu sentia pelo Celso era tamanha, que questionei até os motivos de ter feito aquela viagem. Como poderia sair de um congresso que se propunha espiritual, com aquela vontade louca de esganar alguém?

Dirigi–me às últimas poltronas. Havia um casal de namorados, que provavelmente tinham começado o relacionamento no congresso. Sentei-me no lado oposto, na janela. A viagem começou e eu nem percebi. Do jeito que me sentia, o casal poderia ter pintado e bordado ali do meu lado e eu nem notaria. Minha mente parecia querer me massacrar um pouco mais, lembrando-me alguns trechos do oratório. “Pois o Senhor onipotente reina... Rei dos Reis... Aleleuia, aleluia, aleluia... ALE... Luiáááá!”. Ai, que vontade de esganar o Celso!

Minha tortura mental só foi interrompida por uma discussão que comecei a notar ao meu lado. O casal que iniciou a viagem aos beijos e abraços, parecia não se entender do meio para o final. Embora tentassem disfarçar sufocando um pouco a voz, era certo que estavam brigando. E a discussão foi ficando acalorada, a ponto de o rapaz se levantar de repente, indo sentar-se lá na frente do ônibus, deixando a garota chorando sozinha perto de mim. Foi bom. Só assim tirei a atenção do meu problema e comecei a pensar que havia outras pessoas com suas dores particulares. Todos são complicados. Uns mais, outros menos, porém todos.

Comecei a pensar na forma de consolar a menina. Nada espiritual, admito. Linda, cabelos claros e encaracolados, até o seu choro parecia melodia aos meus ouvidos. Olhei na direção do rapaz. “Tão idiota, meu Deus!”, pensei enquanto tirava a capa do violão. Quando me dei conta, já estava viajando naquelas lágrimas que brotavam do rosto angelical de adolescente. As maçãs de sua face estavam ainda mais rosadas, enquanto olhava perdida para o campo que corria ao lado de sua janela.

Primeiros acordes. Leva a mão ao rosto e enxuga de forma decidida o que poderia ser sua última lágrima pelo tolo que a abandonou ali. “Quando o choro é uma arma de escape...”, me escutei cantando numa altura suficientemente audível para ela. Ela voltou de seus pensamentos, baixando lentamente a cabeça, virando-se em minha direção. “Quando não há mais razão pra o seu viver...”, um misto de interesse e intriga fez seus olhos brilharem. “Quando a frustração te invade, quando o coração se abate...”, assentiu com a cabeça, como quem pergunta: “como é que ele sabe que é exatamente assim que me sinto?”. “Quando a morte parece o único jeito pra você”, ela arregalou os olhos pela gravidade e exagero da frase.

Começamos a rir da situação tão trágica, tão fora de qualquer possibilidade. Ainda mais, por causa de um borra-botas qualquer, sem competência para manter um relacionamento.“Tem caneta e papel?”, minha pergunta pareceu pegar-lhe de surpresa. “É que a inspiração está chegando e se eu não me apressar, posso perder uma bela canção”. “Você é compositor?”, perguntou na tentativa de ganhar tempo, enquanto vasculhava com rapidez a sua bolsa.

Encontrou o que queria. Uma caneta que comprara como lembrança do congresso. Antes de estendê-la para mim, completei: “pode ir escrevendo enquanto eu canto?”, ela assentiu, sentando-se melhor ao meu lado:

Olhe em volta, veja a criação, contemple o céu e a imensidão
E verá que existe uma chama de luz
E todo problema, todo dilema, todo medo, todo segredo
Não se esqueça: Conte pra Jesus”.

De repente, lá estava eu, consolando a menina, falando um pouco sobre como as contingências nos pegam de surpresa. Não sei se falava aquilo por sua causa ou por causa do Celso e toda aquela história de voltar apertado para casa. Espiritual pra caramba, coloquei um pouco do determinismo estratégico que costumamos usar para entender as coisas como que manejadas por Deus, para desembocar justamente naquele momento. Foi com uma ladainha dessas que, logo após o ônibus encostar em Brasília, o jovem saiu em direção a sua casa e eu fiquei. Com a garota e a nova canção! Ai, que vontade de dar um abraço no Celso!

Passados alguns meses, com a raiva acalmada pelo rápido namoro com a menina do ônibus, precisei conversar com o Paulo Azevedo, pai do Celso. Ele não estava, mas o som melodioso e envolvente do Folk já anunciava a presença do seu dono. “E aí negão, tá com raiva ainda?”, aquela voz anasalada do Celso parecia ainda mais engraçada quando ele queria rir da cara de alguém. Contei pra ele os motivos pelos quais não poderia alimentar raiva dele. A viagem, diferente do que pensei, foi maravilhosa, com resultados melhores ainda. Falei da canção que compus, o que o motivou a pedir que eu cantasse pra ele escutar.

Estendeu o seu violão em minha direção e foi assim que toquei pela primeira vez em um violão de doze cordas. Ele gostou muito da canção. Mais ainda da história que a envolvia. Depois, sugeriu que eu personalizasse mais a história. Como fazer isto? Ele continuou de onde eu parei:

Quando choro, dou vazão a um sentimento
De, talvez, insegurança ou desilusão...

Depois que captei a idéia, mudei o rumo da melodia para dar mais força ao momento de dor que propunha:

A vida parece estranha, sentindo uma dor tamanha
E às vezes até me arrependo de ter um coração...

Sempre fui muito trágico. Acho que aprendi a acentuar minhas histórias com uma dose maciça de fatalismo, de tanto ouvir as histórias do meu pai. Ele sempre foi para mim a personificação de um Macbeth, de Shakspeare. O Celso riu do meu drama, mas gostou do rumo que dei ao testemunho. Para seguir a mesma linha melódica anterior, sem perder o tempo da música, fomos logo à resposta para a crise:

A resposta aos anseios meus, não vem de homens, pois é dom de Deus
Que me outorga a liberdade em uma cruz
Adeus melancolia, sinto alegria, o que há muito eu não sentia
Meus problemas, deixei com Jesus!

Foi a redenção do meu amigo. Depois do que me fez, achei que não merecia perdão. Mas, depois de me deixar tocar em seu violão, além de me ajudar com uma bela canção que surgiu de todo aquele imbróglio, me dei conta que gostava mais dele do que ele próprio seria capaz de desfazer. A menina da história foi embora da minha vida, tão rapidamente quanto entrou. Mas, a canção que ficou continua a sensibilizar corações e trazer esperança para muita gente. Ah, que vontade de abraçar o Celso!

sexta-feira, 9 de maio de 2008

É A VIDA (parte II)

Não há coisa alguma que persista em todo o Universo.
Tudo flui, e tudo só apresenta uma imagem passageira.
O próprio tempo passa com um movimento contínuo, como um rio...
O que foi antes já não é, o que não tinha sido é, e todo instante é uma coisa nova.
Vês a noite, próxima do fim, caminhar para o dia, e à claridade do dia suceder a escuridão da noite...
Não vês as estações do ano se sucederem, imitando as idades de nossa vida?
Com efeito, a primavera, quando surge, é semelhante à criança nova... a planta nova, pouco vigorosa, rebenta em brotos e enche de esperança o agricultor.
Tudo floresce. O fértil campo resplandece com o colorido das flores, mas ainda falta vigor às folhas.
Entra, então, a quadra mais forte e vigorosa, o verão: é a robusta mocidade, fecunda e ardente.
Chega, por sua vez, o outono: passou o fervor da mocidade, é a quadra da maturidade, o meio-termo entre o jovem e o velho; as têmporas embranquecem.
Vem, depois, o tristonho inverno: é o velho trôpego, cujos cabelos ou caíram como as folhas das árvores, ou, os que restaram, estão brancos como a neve dos caminhos.Também nossos corpos mudam e sem descanso...
E também a natureza não descansa e, renovadora, encontra outras formas nas formas das coisas. Nada morre no vasto mundo, mas tudo assume aspectos novos e variados... todos os seres têm suas origens noutros seres. Existe uma ave a que os feníciosdão o nome de fênix.
Não se alimenta de grãos ou ervas, mas das lágrimas do incenso e do suco da amônia.
Quando completa cinco séculos de vida, constrói um ninho no alto de uma grande palmeira, feito de folhas de canela, do aromático nardo e da mirra avermelhada.
Ali se acomoda e termina a vida entre perfumes.
De suas cinzas, renasce uma pequena fênix, que viverá outros cinco séculos...
Assim também é a natureza e tudo o que nela existe e persiste.
(Última parte do texto METAMORFOSES, de Ovídio)
É A VIDA!
"A glória dos mortais num só dia cresce,
Mas basta um só dia , contrário e funesto,
para que o destino, impiedoso, num gesto
a lance por terra e ela, súbito, fenece"
( Píndaro)
"O vento, achuva, o sol, o frio
Tudo vai e vem, tudo vem e vai".
(Orides Fontela)
"Como a vida muda.
Como a vida é muda.
Como a vida é nuda.
Como a vida é nada.
Como a vida é tudo.
Como a vida é senha de outra vida nova
Como a vida é vida ainda quando morte
Como a vida é forte em suas algemas.
Como a vida é bela
Como a vida vale mais que a própria vida sempre renascida".
(Carlos Drummond de Andrade)
"Quando abro a cada manhã a janela do meu quarto
É como se abrisse o mesmo livro
Numa página nova..."
(Mário Quintana)
"O encanto
Sobrenatural
que há nas coisas da natureza!
se nela algo te dá
encanto ou medo,
não me digas que seja feia ou má,
é, acaso, singular... "
(Idem)
"Eu fico com a pureza
das respostas das crianças:
É a vida. E é bonita, e é bonita!"
(Gonzaguinha)

segunda-feira, 28 de abril de 2008

EURICO, O PRESBÍTERO


Resolvi postar em seções diferentes, vários trechos de uma linda obra da literatura universal: O Presbítero, de Alexandre Herculano, escrito pela primeira vez em 1843. Aliás, este mês de abril foi marcado para mim pela leitura de apenas livros daquele século.

Tive o prazer de ler a segunda parte do livro de Victor Hugo, "Os Miseráveis" (a primeira eu li no mês anterior, sugestão do Ricardo Gondim), cujo processo de escrita começou em 1824, terminando somente em 1853.

Depois li o delicioso livro "Inocência", do Visconde de Taunay, escrito também no século dezenove (1872). Conta a linda história de Cirino, jovem médico prático de interior que se apaixona perdidamente por Inocência, uma caboclinha com a pureza de uma criança e a beleza de uma mulher. Há momentos de ternura, suspense, graça e, como não deve faltar à uma obra clássica sobre o amor, alguma tristeza.

No livro "O Presbítero", Eurico é um homem rico, carismático e generoso. Apaixona-se por Hermengarda, filha de Fávila, Duque de Cantábria e irmã do célebre Pelágio. Sendo menos nobre que a família de sua amada, Eurico foi impedido de levar adiante esse amor, vendo sua Hermengarda ser-lhe tirada sem dó pelo pai.

A dor da perda foi tão severa em seu coração, que ele decide então ingressar no mundo religioso, tornando-se o presbítero de uma pequena vila, perto do mar. De coração generoso, além de ser um poeta vigoroso, ele passa a escrever sobre a dor do amor, as coisas da vida, sempre a partir da ótica cristã. São verdadeiros salmos que ele escreve, na solidão de suas frustrações e no amargor de sua realidade.

Agora, se isso aqui se propunha a ser apenas uma introdução aos seus escritos, imaginem vocês o que vêm por aí! Vou até esperar um pouco, depois de postar o primeiro, pra ver se vocês desejam mais uns trechos, ok?

I - O CORAÇÃO DO PRESBÍTERO

O presbítero Eurico era pastor da pobre paróquia de Cartéia. Descendente de uma antiga família bárbara, gardingo na corte de Vítiza, vivera os ligeiros dias da mocidade no meio dos deleites da opulenta Toletum. Rico, poderoso, gentil, o amor viera, apesar dissoquebrar a cadeia brilhante da sua felicidade. Namorado de Hermengarda, filha de Fávila, Duque de Cantábria, o seu amor fora infeliz. O orgulhoso Fávila não consentira que o menos nobre gardingo pusesse tão alto a mira de seus desejos.

Depois de mil provas de um afeto imenso, de uma paixão ardente, o moço guerreiro vira submergir todas as suas esperanças. Eurico era uma dessas almas ricas de sublime poesia a que o mundo deu o nome de imaginações desregradas, porque não é para o mundo entendê-las. Desventurado, o seu coração de fogo queimou-lhe o viço da existência ao despertar dos sonhos de amor que o tinham embalado. A ingratidão de Hermengarda, que parecera ceder sem resistência à vontade de seu pai, e o orgulho insultuoso do velho prócere deram em terra com aquele ânimo, que o aspecto da morte não seria capaz de abater.

A melancolia que o devorava, consumindo-lhe as forças, fê-lo cair em longa e perigosa enfermidade, e, quando a energia de uma constituição vigorosa o arrancou das bordas do túmulo, semelhante ao anjo rebelde, os toque belos e puros do seu gesto formoso e varonil transpareciam-lhe a custo através do véu de muda tristeza que lhe entenebrecia a fronte. O cedro pendia fulminado pelo fogo do céu.

Uma destas revoluções morais que as grandes crises produzem no espírito humano se operou então no moço Eurico. Educado na crença viva daqueles tempos, naturalmente religioso porque poeta, foi procurar abrigo e consolações aos pés de Aquele cujos braços estão sempre abertos para receber o desgraçado que neles vai buscar o derradeiro refúgio. Ao cabo das grandezas cortesãs o pobre gardingo encontrara a morte do espírito, o desengano do mundo.

Ao cabo da estreita senda da cruz acharia ele, porventura, a vida e o repouso íntimos? Era este o problema, no qual se resumia todo o seu futuro, que tentava resolver o pastor do pobre presbitério da velha cidade do Calpe.

A nova existência de Eurico tinha modificado, porém não destruído, o seu brilhante caráter. A maior das humanas desventuras, a viuvez do espírito, abrandara, pela melancolia, as impetuosas paixões do mancebo e apagara nos seus lábios o riso do contentamento, mas não pudera desvanecer no coração do sacerdote os generosos afetos do guerreiro, nem as inspirações do poeta. O templo havia santificado aqueles, moldando-os pelo Evangelho, e tornado mais solenes, alimentando-as com as imagens e sentimentos sublimes estampados nas páginas sacrossantas da Bíblia.

O entusiasmo e o amor tinham ressurgido naquele coração que parecera morto, mas transformados; o entusiasmo em entusiasmo pela virtude; o amor em amor dos homens. E a esperança? Oh, a esperança, essa é que não renascera!
APENAS CINCO SEGUNDOS
Allison da Silva Ambrósio

Cinco segundos. Talvez menos que isto. Foi o tempo que levei para viver uma experiência que, de tão negativa e desastrosa custou-me vários dias de reflexão e arrependimento. Dessas idiotices que fazemos por nos perceber mais espertos que a média, mais rápidos ou mais estrategistas que os tristemente definidos como medianos, outros, comuns.

Na realidade, seria apenas uma pequena manobra, em um trânsito fácil, lento, próximo ao de uma cidadela do interior. O carro dirigido por mim tinha força suficiente para executá-la a contento, antes mesmo de oferecer qualquer perigo. Foi o que pensei, ao consultar o espelho retrovisor, sem atentar para o veículo que já entrava atrás do meu, no sentido transversal.

Uma batida forte, rápida e, graças à Providência Divina, sem nenhum dano à integridade dos motoristas envolvidos. No outro carro, uma mulher aflita, atônita, desesperada por outros graves motivos, aos quais viria a agregar-se esse novo, por mim criado. Estava em diligência assustada, angustiada pelo filho que se achava atrás das grades. Com o marido trabalhando em outro Estado e a filha estudando naquele período da manhã, a jovem senhora encontrava-se sozinha para funcionar ao mesmo tempo como chefe de família, dona de casa, assistente de defesa, motorista e ainda fazer vezes de estagiária de advocacia.

- Moço, me ajude, por favor!- disse aterrorizada. - Não me abandone aqui! Não vá embora! Eu fiz tudo certinho. Esperei o senhor passar. Juro que não foi culpa minha! Lágrimas caudalosas jorravam de seus olhos, enquanto produzia frases entrecortadas pelas golfadas de ar que buscavam o seu peito.

Pedi perdão, reconheci meu erro, assumi a responsabilidade pelo acidente. Queria, sabe Deus o quanto, nunca estar vivendo aquela situação, aquele momento estanque, aqueles lapsos aflitivos de um acidente causado por minha imprudência. Tirei-a do carro, liguei para a polícia e solicitei entre os curiosos ao redor, alguém que providenciasse um pouco de água para a mulher agitada.

Depois de tudo resolvido, já mais calma e confiante, ela me explicou um pouco de seu sofrimento e da impossibilidade de estar parada ali naquele momento, com tantas providências para tomar. Compreendeu com a minha explicação que nenhum de nós gostaria de viver aquilo, embora fosse uma contingência possível aos que dirigem, aos que vivem. Viver sem sobressaltos eventuais só é possível àqueles que não se movem, que mal respiram, que não saem nunca do mesmo lugar.

Há que se ter mais cuidado, mais prudência. Um segundo olhar mais atento pode prevenir uma tragédia. Uma segunda reflexão pode evitar uma precipitação apaixonada e infeliz. O outro lado da face agredida, ao ser oferecido pela vítima, conforme o ensino de Cristo nos dará tempo para pensar antes de agir, antes de gerar um desfecho pior que o agravo recebido.

Cinco segundos. Quiçá, menos que cinco. Mas, tempo suficiente para alterar todo aquele dia, toda aquela semana e, ainda hoje, vários dias depois, me fazer pensar que tudo poderia ser evitado, se tão somente eu o tivesse gasto no essencial: pensar antes de agir.
A CÉU ABERTO
Allison da Silva Ambrósio


Por favor, não me pergunte agora
Por que ainda a minha alma chora
Pode ser a dor que não senti
Pode ser o amor que eu não vivi
Pode ser o medo do amanhã que aflora

Por favor, não cobre coerência
De quem não discerne a existência
Que desde o início faz questão
De mostrar que a última estação
Chega sempre sem acepção ou clemência

Não dá pra voltar e corrigir
Nem para esquecer, tentar fugir
Após tanto tempo ainda mentir
Não fará qualquer sentido

O passado só é por passar
Morte é renascer noutro lugar
E se o futuro ainda não bastar
Bem melhor não ter nascido

Por favor, só se preserve perto
Pois nem mesmo disto estou certo
Posso precisar da sua mão
Me ajudando na investigação
Ou pra carregar o meu caixão
A céu aberto.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

SERVIÇO DE APOIO AO CONSUMIDOR
(recebi via internet e achei interessante!)

Prezado Técnico,
Há um ano e meio troquei o programa [Noiva 1.0] pelo [Esposa 1.0] e verifiquei que o Programa gerou um aplicativo inesperado chamado [Bebê.exe] que ocupa muito espaço no HD. Por outro lado, o [Esposa1.0] se auto-instala em todos os outros programas e é carregado automaticamente assim que eu abro qualquer aplicativo. Aplicativos como [Cerveja_Com_A_Turma 0.3], [Noite_De_Farra 2.5] ou [ Domingo_De_Futebol 2.8], não funcionam mais, e o sistema trava assim que eu tento carregá-los novamente.

Além disso, de tempos em tempos um executável oculto (vírus) chamado [Sogra 1.0] aparece, encerrando Abruptamente a execução de um comando. Não consigo desinstalar este programa. Também não consigo diminuir o espaço ocupado pelo [Esposa 1.0] quando estou rodando meus aplicativos preferidos. Sem falar também que o programa [Sexo 5.1] sumiu do HD. Eu gostaria de voltar ao programa que eu usava antes, o [Noiva 1.0], mas o comando [ Uninstall.exe] não funciona adequadamente. Poderia ajudar-me? Por favor!
Ass: Usuário Arrependido

RESPOSTA: Prezado Usuário Arrependido,
Sua queixa é muito comum entre os usuários, mas é devido, na maioria das vezes, a um erro básico de conceito: muitos usuários migram de qualquer versão [Noiva 1.0] para [Esposa 1.0] com a falsa idéia de que se trata de um aplicativo de entretenimento e utilitário. Entretanto, o [Esposa 1.0] é muito mais do que isso: é um sistema operacional completo, criado para controlar todo o sistema! É quase impossível desinstalar [Esposa 1.0] e voltar para uma versão [Noiva 1.0], porque há aplicativos criados pelo [Esposa 1.0], como o [Filhos.dll], que não poderiam ser deletados, também ocupam muito espaço, e não rodam sem o [Esposa 1.0].

É impossível desinstalar, deletar ou esvaziar os arquivos dos programas depois de instalados. Você não pode voltar ao [Noiva 1.0] porque [Esposa 1.0] não foi programado para isso. Alguns usuários tentaram formatar todo o sistema para em seguida instalar a [Noiva Plus] ou o [Esposa2.0], mas passaram a ter mais problemas do que antes (leia os capítulos 'Cuidados Gerais' referente a ' Pensões Alimentícias' e 'Guarda das Crianças' do software [CASAMENTO].

Uma das melhores soluções é o comando [DESCULPAR.EXE /flores/all] assim que aparecer o menor problema ou se travar o micro. Evite o uso excessivo da tecla [ESC] (escapar). Para melhorar a rentabilidade do [Esposa1.0], aconselho o uso de [Flores 5.1], [ Férias_No_Caribe 3.2] ou [Jóias 3.3]. Os resultados são bem interessantes!

Mas nunca instale [Secretária_De_Minissaia 3.3], [Antiga_Namorada 2.6] ou [Turma_Do_Chopp 4.6], pois não funcionam depois de ter sido instalado o [Esposa 1.0] e podem causar problemas irreparáveis no sistema. Com relação ao programa [Sexo 5.1] esquece! Esse roda quando quer. Se você tivesse procurado o suporte técnico antes de instalar o [Esposa1.0] a orientação seria: NUNCA INSTALE O [ESPOSA 1.0] sem ter a certeza de que é capaz de usá-lo!

Agora.... Boa sorte!
PACIÊNCIA
Allison da Silva Ambrósio


Joga um Rei de Paus, um Valete de Ouro
Enquanto chega a conta do armazém
Esse Dez de Copas não cabe na trinca
A mulher espera outro neném
E o tempo passa, meu filho não passa
Nem naquela prova do ENEM
Paciência, paciência

No noticiário, um ladrão otário
Esqueceu ligado o celular
Pega aquele cinco, traz uma meiota
Com bastante boldo pra amargar
Já nasci cansado de ser enganado
De me debater até cansar
Paciência, paciência

Amanhã eu pulo às dez pras cinco
Se preciso eu durmo no portão
A vaga de vigia já é minha
Antes que outro esperto meta a mão
Só não é carteira assinada
O patrão precisa economizar
Embaralha as cartas novamente
Porque essa mão está devagar

Paciência, paciência...
APAGUE A LUZ DO DIA
Allison da Silva Ambrósio


Apague a luz do dia, está me irritando
A claridade fria que está fazendo
Traz um remédio que conforte a alma
Que cala e acalma o que está doendo

Suprima o sorriso, está incomodando
Essa alegria que está trazendo
Faz um lamento que enferme a alma
Que revele o trauma que estou tendo

Quem não cansou de viver de amor
Não sabe nada e nunca soube
Que a alma encerra os gritos roucos

Dos carinhos mil que são sempre poucos
E da solidão que provoca a dor
Por uma paixão que nunca houve
UMA CONVERSA SOBRE CASAMENTO*

Casamento. Quase todos os meus conhecidos tinham problemas nesse setor. Alguns tinham problema para entrar, outros para sair. Minha geração encarava o assunto como se fosse um crocodilo originário de algum brejo. Habituei-me a ir a casamentos, cumprimentar os noivos e ficar um tanto surpreso quando via o marido poucos anos depois em um restaurante em companhia de uma mulher mais jovem, que ele me apresentava como uma amiga. “Já me separei de Fulana”, acrescentava.

Por que temos tais problemas? Perguntei isso a Morrie. Tendo levado sete anos para pedir Janine em casamento, fiquei me indagando se as pessoas da minha geração não estariam sendo mais cuidadosas do que as que vieram antes, ou quem sabe mais egoístas?

- Bem, tenho pena da sua geração – ele disse. – Nesta cultura é muito importante estabelecer uma relação amorosa com alguém, porque de um modo geral a cultura não nos dá isso. Mas a rapaziada de hoje ou é muito egoísta para entrar numa relação amorosa verdadeira, ou corre para o casamento e seis meses depois se divorcia. Eles não sabem o que querem em um parceiro. Nem sabem quem eles são. E, sendo assim, como podem saber com quem estão se casando?

Charlotte e Morrie, que se conheceram quando estudantes estavam casados há quarenta e quatro anos. Eu os observo agora, quando ela lembra a ele a hora de tomar remédios, ou acaricia-lhe o pescoço, ou fala sobre um dos filhos. Trabalharam como uma equipe, muitas vezes não precisando mais do que um olhar silencioso para compreender o que o outro pensava. Charlotte é uma pessoa particular, própria, diferente de Morrie, mas sei quanto ele a respeita. Às vezes, quando conversávamos, ele dizia, “Charlotte pode não gostar se eu revelar isso”, e encerrava a conversa. Eram as únicas ocasiões em que ele se fechava.

- Uma coisa aprendi sobre o casamento – disse ele. – É como se nos submetêssemos a um teste. Descobrimos quem somos, quem a outra pessoa é e como nos entrosamos ou não.
- Existe algum processo para saber se um casamento vai dar certo?
- As coisas não são simples assim, Mitch – respondeu ele, sorrindo.
- Eu sei.
- Mesmo assim, há algumas normas aplicáveis a amor e casamento: se não respeitarmos a outra pessoa, vamos ter muitos problemas. Se não soubermos ceder aqui e ali, vamos ter muitos problemas. Se não conseguirmos falar abertamente sobre o que está acontecendo entre os dois, vamos ter muitos problemas. E se não tivermos um conjunto de valores em comum com a outra pessoa, vamos ter muitos problemas. Os valores devem ser semelhantes.
- Sabe qual é o mais importante desses valores, Mitch?
- Diga.
- Acreditar na importância do seu casamento.
Respirou fundo e fechou os olhos por um instante.
- Pessoalmente – suspirou com os olhos ainda fechados -, considero o casamento como uma coisa muito importante, e quem não o tentar não sabe o que está perdendo.
Encerrou o assunto citando o poema que tinha na conta de uma prece: “Amen-se ou pereçam”.

* Extraído do livro “A Última Grande Lição”, de Mitch Albom, um repórter esportivo que acompanhou passo a passo os últimos dias de vida de seu professor, transformando essa experiência em um belo livro.
PASSEANDO DE ZEBRINHA NA CAPITAL FEDERAL
Allison da Silva Ambrósio


Antes de o avião pousar em Brasília, eu pude observar aquela vegetação típica do cerrado, do planalto distrital, com sua terra vermelha seca e organização irritante. O diferencial desta vez foi o transporte que utilizei para ir ao encontro do meu cunhado, no final da avenida W3 norte – o microônibus da cidade, chamado carinhosamente de “zebrinha”.

Desde a aproximação do início da “Asa Sul”, parte que delimita o formato de avião que tem o Plano Piloto, minhas emoções emergiram densamente. A Escola Classe 316 Sul, onde estudei os primeiros anos e para onde ia a pé, desde a ponta da Avenida L2 Sul. O primeiro registro oficial de uma composição que fiz é uma paródia em homenagem àquela escola.

Pouco depois, o coletivo dobrou à direita, entrando na avenida W3 Sul. Palco de doces e delicadas lembranças, em seu início vê-se o Pão de Açúcar, já presente em minhas lembranças de menino, embora muito mais sujo hoje que há vinte e quatro anos, quando deixei a cidade. Atrás do ponto de ônibus instalou-se uma espécie de feira livre e permanente, onde os menos afortunados procuram salvar-se como podem, vendendo quinquilharias descartáveis e frutas suspeitas.

Avançando mais pela avenida, encontrei o prédio onde funcionava o Ristorante Cazebre 13, na época a mais tradicional casa de massas em Brasília. Cedera lugar a alguma coisa feia, que não consegui discernir o que era. Passei pelo posto de saúde 08, para onde fui com meus irmãos, receber vacina contra varíola. Eloine, apesar de ser minha irmã mais velha era sem dúvida alguma a mais medrosa. Esboçava certa coragem, na medida em que chegávamos ao posto de saúde. Porém, bastavam faltarem duas ou três crianças a sua frente para se dirigir novamente ao fim da fila. No final foi preciso segurá-la para ser vacinada, ou melhor, para receber aquelas pequenas cutucadas no braço direito, o que não doía absolutamente nada, como no final constatou.

Sorri comigo mesmo, deleitando-me naquela lembrança pitoresca. Procurei por magazines famosos da época, mas não os encontrei. Aqui e ali, perdido entre outras marcas recentes é que algum letreiro me empurrava de volta ao passado, já que palmilhei por muito tempo aquelas calçadas, como menor aprendiz, office boy e escrevente auxiliar, minha última atividade profissional antes da maioridade.

E logo estava diante do Cartório do Primeiro Ofício de Notas Maurício de Lemos, agora um prédio exuberante de esquina, bem diferente das instalações onde trabalhei, primeiro nas máquinas copiadoras da frente da loja, depois como escrevente auxiliar de dois escreventes juramentados – Vagner e Rui.

Palco de muitas travessuras, o Cartório também contribuiu para minha nostalgia no banco da zebrinha. Minhas idas até aos clientes mais abonados, que obrigavam o Cartório a se deslocar e não eles. Lembrei de Dona Odila Campos Maia, nome jamais esquecido, a quem fui atender no Heron Brasília Hotel. Levei os livros cartoriais, volumes enormes, negros e pesados, para que ela assinasse a mais algumas escrituras definitivas, de novas propriedades adquiridas na capital federal.
“Allison meu filho”, disse ela, “sei que o dinheiro é a raiz de todos os males. Porém, prefiro sofrer dentro de um Jaguar que num ônibus circular lotado”. Como em narrações de Futebol, essa frase era a senha para se tragar mais um gole de Contreau, que ela dispunha próximo a seu braço, entre uma assinatura e outra.

Já se aproximando do final da avenida W3 Sul estava o hospital Sarah Kubitschek, último prédio antes do setor comercial sul, onde trabalhei em vários escritórios de advocacia. O cenário estava pouco alterado. Muito sujo, apesar de tudo.

Logo depois, o microônibus mergulhou sob os viadutos que entremeiam as asas do Plano Piloto, indo à direção da Asa Norte e outra série de lembranças igualmente doces. O edifício Brasília Rádio Center, ao lado da Rede Globo Brasília à esquerda. À direita pude perceber o curso alfa, onde estudei por um semestre apenas e sai, por causa de um boato de que o mesmo não seria reconhecido pelo MEC. Soube pouco depois que era mentira. Embarcar nessa história custou-me quase vinte anos de formação.

Procurei o escritório da Ferralumi, empresa de um grande amigo meu, o já falecido Jesiel Pereira Raimundo. Perto dali havia uma pastelaria, aonde íamos aos fins de tardes saborear pastéis de queijo, acompanhados de um suco de ameixas delicioso que eles serviam. Eu dirigia uma kombi da empresa, indo buscar os perfis de alumínio comprados no setor de indústria. Voltava escutando no rádio ao programa do Néri da Silveira, “Ao Cair da Tarde”.

Já que comecei, irei terminar. Tratava-se de um programa desses melosos, de música romântica e leitura de cartas tristes. “Sabe Néri, minha namorada não me quer mais, só porque eu sou pobre!”, queixa-se um servente, com o coração partido. “Como vou contar a ele que já fui casada, Néri?”, sofre uma menina do subúrbio, com medo de perder seu novo amor. E lá vou eu, com seiscentos quilos de alumínio na bagagem, meia volta de folga na direção da kombi e o coração amolecido com as músicas dos “The Fevers” e Nelson Ned!

Descendo pela quadra 506 em direção a 512, quase senti novamente o perfume da Sandy, menina linda que o meu amigo Wesley queria namorar. Por isso me fez acompanhá-los, a pé, até à igreja que ficava na 313 norte. Só para ter mais tempo ao lado dela! Enquanto vencíamos a primeira etapa da viagem, surge do nada, ou talvez do quinto dos infernos, um menino em uma mobilete que atendia pelo nome de Eduardo. “Eduardo, uh, uh! Dá uma carona... pra gente?”. Pouco tempo depois, lá ia a Sandy na garupa do moleque, que ria gostosamente dos dois trouxas que ficaram para trás!

Nem notei quando a zebrinha chegou ao ponto que eu deveria descer. Não fosse pela motorista e eu passaria direto, como fiz muitas vezes ao voltar dormindo para casa! Não sei se estou ficando velho e, talvez por causa disso, as lembranças do meu passado estejam com cores assim tão vivas. Mas, sinto uma necessidade enorme de voltar a esses pontos da minha vida. Talvez, para dizer que estive ali, que tenho raízes profundas naquele lugar.

Mesmo morando onze anos em Brasília e depois vinte e quatro anos fora dela, foi a primeira vez que andei de zebrinha na Capital Federal. Se eu soubesse o quanto era bom...

quinta-feira, 17 de abril de 2008

A PALAVRA

Pablo Neruda

...Sim, senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam... Posterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as,mordo-as, derreto-as... Amo tanto as palavras... As inesperadas... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem... Vocábulos amados... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho... Persigo algumas palavras... São tão belas que quero coloca-las todas em meu poema... Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas...

E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as... Deixo-as como estalactites em meu poema, como pedacinhos de pedra polida, como carvão, como restos de um naufrágio, presentes da onda... Tudo está na palavra... Uma idéia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu... Têm sombra, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes...

São antiqüíssimas e recentíssimas. Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada... Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos... Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas Américas encrespadas, buscando batatas, butifarras, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos, frutos, com aquele apetite voraz que nunca mais se viu no mundo... Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas grandes bolsas... Por onde passavam a terra ficava arrasada...

Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras, como pedrinhas, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma. Saímos perdendo... Saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo... e nos deixaram tudo... Deixaram-nos as palavras.

(“Confesso que Vivi” – Ed. Rio de Janeiro: Difel, 1980. p. 51-2)
QUEM SOMOS?

Não somos apenas o que pensamos ser. Somos mais; somos também, o que lembramos e aquilo de que nos esquecemos; somos as palavras que trocamos, os enganos que cometemos, os impulsos a que cedemos,“sem querer“.

Sigmund Freud

terça-feira, 15 de abril de 2008

OS MISERÁVEIS
Allison S. Ambrósio




Ele dorme.
E embora a sorte lhe fora bem estranha,
Ele vivia.
Morreu quando não teve mais o seu anjo;
A coisa simplesmente chegou,
De moto próprio.
Como a noite que chega,
Quando o dia se vai.

Com essa pequena poesia termina uma das mais lindas peças literárias que já tive o privilégio de ler: “Os Miseráveis”, de Victor Hugo (Ed. Cosac & Naify/ Casa da Palavra). Por vários dias vi-me envolvido na trama que, apesar de escrita no fim do século dezenove conseguiu me enlevar, assustar e extasiar, levando-me às lágrimas em seu desfecho.

O bispo de Digne, modelo ideal de um homem de Deus, que levava seu compromisso com Deus e com o próximo até as últimas conseqüências. Um homem cuja vida gritava de forma ensurdecedora, ainda que caminhasse em reflexivo silêncio. Não abriu mão do sustento oferecido pelo Governo Francês pela simples razão de querer gasta-lo com mais remédios para os pacientes de seu humilde hospital.

O encontro desse anjo com Jean Valjean, uma alma adoecida pelo ódio e desejo de vingança, que fora preso e amargara dezenove anos acorrentado nas galés, por ter cometido o crime de roubar alguns pães para alimentar os seus sobrinhos famintos. Ao cumprir sua pena, descobre que havia mais sofrimento reservado para si. Um “forçado”, termo dado àqueles que haviam sido presos, era menos que nada para a hipócrita sociedade daquela época.

Respirando ainda esses ares infernais foi que Jean Valjean encontrou o Bispo que, sem se importar com sua história, seu passado marcado de ódio e vingança, lhe deu abrigo, comida e, acima de tudo, um amor desconcertante. Começa aí sua conversão.

As cores da transformação, primeiro do próprio Bispo e depois de Jean Valjean são tão fortes, tão brilhantes e tão verossímeis, que fui capaz de sentir como se eles verdadeiramente tivessem existido. Talvez seja isto o que faz um clássico tornar-se um clássico – a capacidade de reproduzir no papel todas as nuanças e idiossincrasias da mente humana.

Impressionei-me com a inflexibilidade dogmática de Javert, um inspetor de polícia que acreditava ser impossível a um forçado a própria restauração. A ingenuidade da linda, sincera e sonhadora Fantine que, ao cair nas mãos de um bom vivant irresponsável, se vê abandonada, grávida e sozinha no mundo. A pequena Cosette, aparentemente condenada a uma vida de trabalho escravo sem trégua, sem carinho e sem algo para chamar de seu.

Marius, um jovem idealista que se vê diante de uma promessa a cumprir, lutando contra o asco de perceber que o beneficiário de tal promessa é um bandido frio, inescrupuloso e abjeto chamado Thernadiér. O pequeno Gravouche, um menino que conseguiu se tornar adorável, mesmo após ser abandonado pela mãe, ignorado pelo pai e condenado a viver sob a mira das botas dos passantes, a crueldade da polícia e a intolerância das pessoas com as crianças de rua. Ele é poeta, é divertido. Demonstra ser emocionalmente inteligente, quando consgue rir de seu próprio infortúnio, cantarolando canções populares enquanto recolhia cartuchos de soldados mortos, sob a chuva de balas do exército francês.

Cheguei à conclusão de que o livro mexeu muito comigo, por conseguir retratar com tons incômodos as diversas nuanças de minha própria história. Encontro crueldade em minhas ações reprováveis, tal qual os Thernadiér a maltratar a criança que lhes estava em poder. Por outro lado, sinto-me impelido a fazer o bem a alguém, ainda que tal atitude me custe muito caro em suas conseqüências, assim como o atormentado Jean Valjean.

Encontro também um pouco do intransigente Javert, que ao perceber a incoerência do que defendia resolveu dar outro ruma à sua vida, assim como Eponine, cuja aparência inicial é de uma pequena lady e seu final é como uma maltrapilha esquelética, prostituída e apaixonada platonicamente por um membro da sociedade parisiense.

Há de tudo em nós. Generosidade e covardia, apatia e solidariedade, vícios e virtudes, forças inacreditáveis e fracassos retumbantes. Foi quando me dei conta de que o livro pode até ser um clássico. Porém, nós os que vivemos é que o somos. Com muito mais louvor e autoridade que eles. Sugiro a todos os que ainda não leram este romance que façam esse favor a si mesmos. Garanto que depois irão me agradecer.
O TIRO QUE SAIU PELA CULATRA!
Allison S. Ambrósio


Dizem por aí que a curiosidade mata. Nem sempre. Mas pode assustar. E como! Foi no sábado de manhã, no centro da cidade, onde eu procurava um cartãozinho para a Jacqueline. Não queria deixar seu aniversário passar em branco.
Gosto da língua inglesa. Acho sonora, suave e gostosa de falar. Sendo assim, saio lendo tudo o que consigo em inglês e que se coloque em minha frente. Nomes de lojas, bandas de rock, cartazes de shows, camisetas. Tento decifrar expressões idiomáticas, que são super interessantes e por aí vai. Até em meu próprio nome dei um jeito de encontrar uma expressão idiomática inglesa: All is on (está tudo em cima, ou, está tudo bem comigo!).
Ele vinha em sentido contrário. Gordo, feio, com óculos de grau do tipo fundo de garrafa. Diria tratar-se de uma pequena escapadela estética da mãe natureza (ok, todos são criaturas de Deus, embora alguns sejam mais feios que outros!). No começo não notei sua aparência, por estar concentrado, num daqueles lapsos de pensamento, no que estava escrito em sua camiseta que parecia um outdoor em função daquele “corpitcho”: I’m waiting for a girl like you*.
Com o susto que levei, ergui rapidamente os olhos a tempo de observá-lo, com um sorriso sem graça, de alguém que fora pego fazendo alguma travessura. Não falei, mas pensei imediatamente: “Tô Fora!”. Foi tudo em fração de segundos. Explodimos numa gostosa gargalhada no meio da rua. Ainda avancei umas duas quadras, rindo muito daquela piada pronta.
Tenho certeza que o plano do bonitão, ao colocar aquela camiseta, nem passava perto de uma possibilidade desastrosa dessas; um negão que sabia ler em inglês! Assim, a maioria dos planos que fazemos não considera as variáveis absolutamente possíveis de alguma coisa não dar certo.
Famoso jogador de futebol, Mané Garrincha se notabilizou por uma pergunta simples, inocente e sem malícia que fez, antes de um dos jogos da seleção brasileira. Depois de seu técnico mostrar à equipe sua estratégia de jogo, ao notar todos os movimentos fantásticos que lhe foi exigido, Garrincha perguntou: “mas o senhor já combinou com os adversários?”. Para fazer tudo o que o técnico queria, o jogador percebeu ser possível apenas se o time adversário ficasse plantado em campo, sem esboçar qualquer reação de defesa.
Colocar-se na posição do outro é um dos melhores exercícios que poderíamos fazer para evitar maiores constrangimentos. As coisas não são lineares, previsíveis e tranqüilas o tempo todo. Até um elogio que se pretende pode virar uma agressão. Uma conversa banal e irrelevante pode terminar em discussão e uma saída rapidinha para comprar um pão pode terminar em um boletim de ocorrência de uma delegacia da cidade.
O bom da vida é justamente essa aleatoriedade, esse formidável e desconhecido minuto seguinte. Nunca sabemos o que vem pela frente e é justamente isto que faz o nosso dia a dia emocionante. E quanto ao rapaz da camiseta? Continua esperando...


*tradução: “Estou esperando por uma garota parecida com você”. É ruim, hein?

quinta-feira, 10 de abril de 2008


JESUS ESTÁ MEXENDO!

Eu liderava uma comunidade cristã em Fortaleza, bairro Mucuripe. Betesda Volta da Jurema, na avenida Abolição, no Ceará. Após uma reunião bastante animada, depois de haver cumprimentado as pessoas que saíam do prédio, a professora Alessandra veio me dizer cheia de alegria: O Leozinho (meu filho, quatro anos de idade na época) fez uma oração hoje, lá na salinha das crianças, pedindo a Jesus para ser Senhor em sua vida!

Lembro-me de ficar emocionado com aquele testemunho, lembrando-me que fiz o mesmo aos seis aninhos de idade, dois a mais que ele, portanto. Foi inevitável pensar que os filhos vêm para superar seus pais, inclusive no tempo.

Ao chegar em casa, Jackie o prepara para dormir, como já de costume. Dentes escovados, pijama, beijo de boa-noite no pai que ainda está assistindo um dos intermináveis filmes do Charles Bronson (Desejo de Matar CLXXVII) e, finalmente, o pequeno diálogo:

- Leo, a professora disse que você entregou seu coraçãozinho a Jesus hoje, não foi?
- Foi sim, mamãe! - responde entusiasmado, o projeto de cristão.

Jacqueline abriu um sorriso satisfeito, pensando na decisão do filho que, dali a alguns meses ganharia uma irmazinha. Grávida de sete meses, habituara-se a colocar a pequena mão do menino sobre sua barriga, para sentir os movimentos da Julie, talvez praticando alguns passos de Street Dance! Afinal, são meus filhos, né? Não se contentam em ser comuns!

- E agora, Leo? Onde é que Jesus está morando agora? - Pergunta a mãe, antes da última oração do dia.
- Aqui! - O Leo pôs a mão sobre o peito, indicando seu pequeno coração. Ato contínuo, arregalou os olhos e gritou assustado para a mãe, depois de sentir os próprios batimentos cardíacos:

- Mãe! Jesus está mexendo! Jesus está mexendo!

POLITICAMENTE INCORRETO!
Allison da Silva Ambrósio

Estávamos em família, na sala de casa. Jackie, eu e os meninos nos preparávamos para mais um encontro do projeto CRISTO EM CASA, que consiste em uma leitura que fazemos de um dos provérbios do Rei Salomão na Biblia Sagrada.

A dinâmica é a seguinte: na terça feira, mais ou menos às sete e meia desligamos a TV, o rádio e os celurares e nos reunimos na sala. Abrimos no livro dos Provérbios e procuramos o capítulo correspondente ao dia em que estamos. Dia oito, Provérbios capítulo oito, etc. Todos lêem dois ou três versículos, inclusive a Camile que, aos seis anos de idade, já consegue certa desenvoltura na leitura.

Depois disso, cada um escolhe um versículo que se encaixe melhor com seu estado de espírito, que lhe tenha chamado a atenção ou que lhe salve logo de tal incumbência! No dia em questão estávamos lendo uma linda peça literária, chamada "O Banquete da Sabedoria". Nela, o rei descreve a sabedoria como uma pessoa que se prepara, arruma a casa, se perfuma e sai pela rua afora, buscando, convidando os homens tolos e sem juízo para virem se banquetear com ela.

Em dado momento, por não ser respondida ou sentir-se desprezada por eles, a sabedoria então afirma que rirá de todos os que forem atingidos pela calamidade, pelo infortúnio, por aquelas crises que ocorrem na vida e que seriam facilmente debeladas, caso a tivessem ouvido.

- É Deus que está falando isso? - perguntou a Julie, depois de sentir-se incomodada com a vingança fria e incompassiva da sabedoria.
- Não, minha filha, é a sabedoria! - respondo.
- Que sabedoriazinha chata, né? O sujeito já está mal e ela ainda quer espezinhar!

Já estava meio desconcertado com essa inferência, explicando que aquilo era apenas como uma peça literária, um poema no qual o autor coloca características humanas em uma virtude para proclamar sua importância, quando a Camile entra no debate:

- Mas, pai, na semana passada a gente aprendeu que não devíamos devolver com o mal as coisas más que as pessoas fizessem com a gente? Não é para fazer coisas boas, mesmo quando nos fizerem coisas más? Então essa sabedoria aí está muito errada!
- Mas é apenas uma forma que Salomão achou para mostrar como é bom buscar a sabedoria - tentei livrar a barra do milenarmente falecido.
- Mas esse rei aí está errado do mesmo jeito!

Nada mais cabendo no momento, levantei-me de onde estava e fui cumprimentar minha filha que, como a irmã, havia compreendido bem o princípio de o bem superar o mal. Fiquei apenas com dó do Salomão. Nem mesmo o homem considerado o mais sábio do mundo consegue dobrar um raciocínio rápido e descompromissado de uma mente infantil!

Para mim, ele pode até ser rei. Para elas, mesmo assim, ele está politicamente incorreto!
NO AMOR E NA GUERRA DA VIDA!
Allison da Silva Ambrósio

O que esperar de um garoto negro e franzino, pobre quase ao nível Biafra, número cinco na escala dos oito filhos oficiais do pai? Meu diferencial era a desenvoltura e o talento para música. Não conformado com uma situação socialmente frágil no contexto brasileiro, fui à luta.

Aprendi a ser independente quanto aos muitos negócios nos quais me meti. Depois de me tornar vendedor de sorvetes a dez centavos, pelas ruas de Santo André, em São Paulo aos seis anos de idade, todo o resto se tornaria fácil: engraxate, menor aprendiz, office-boy, escrevente auxiliar, vendedor de ilusões (também embarquei no barco da AM WAY!) até ter meu próprio negócio: uma empresa de cobrança. Logo faliu, pelo tanto que foi cobrada!

No amor, tentando tal sorte desde os nove anos (transcrevi para uma garota de sete algumas frases do Roberto CArlos: "Eu tenho tanto pra lhe falar..."; é meu primeiro registro mental sobre o assunto), depois de tantos foras que levei desenvolvi uma técnica que transcendeu as questões do coração.

Simples: quando eu me interessava por uma garota, geralmente muito além das expectativas que todos possuiam a meu respeito e, para não me frustrar muito com as respostas previsiveis, decidi raciocinar que o "não" provável eu já possuía. O "sim" insólito e incrível até para mim, depois de me emudecer de assombro inicialmente iria me deixar feliz por ter tentado.

Não me espezinhem além do necessário, querendo saber qual das respostas acima foram as mais recorrentes nas minhas investidas! Porém, observei que saía menos ferido de cada uma delas. Tive poucos relacionamentos para valer na vida, mas não me permiti ferir com o que não consegui.

"Quer namorar comigo?", "NÃO!", "grande coisa... Eu já sabia!". E assim tocava a vida, com alguma integridade emocional no meu peito pré-adolescente. Sabendo da possibilidade de não funiconar eu não me espantava. Sendo assim, não me frustrava, a ponto de lamentar a vida, a sorte, o amor, etc.

Quando era o contrário que ocorria, ou seja, a resposta era "sim", geralmente eu travava. Por não ter muito assunto ou por uma súbita crise de constrangimento que me tomava de assalto.

O realmente quero dizer nas entrelinhas dessas tentativas frustradas de um Dom Juan de Marco Jamaicano é que, invariavelmente, já entramos no ringue da vida derrotados, esperando o soar do gongo do fim da luta, para um assalto que mal começou!

Como a hiena do desenho animado, parecemos uma porta enferrujada, revolvendo-se em seus gonzos a dizer: "ó vida, ó dor, ó sofrimento!", quando poderíamos nos surpreender, apenas olhando nosso desafio sob outra motivação e perspectiva.

Foi numa música do Chico que eu ouvi que até o copo vazio está cheio... De ar! Li em outro lugar qualquer que o pessimista, ao ver meio copo d'água observa que o mesmo está meio vazio. O otimista vê o mesmo copo e, além de beber a água e matar a sede, observa que o mesmo estava MEIO CHEIO!

Vamos combinar então? Temos sempre duas maneiras de encarar um mesmo desafio. Por que já decidir a perda sem nem ao menos tentar vencer? Por que jogar a toalha que poderia muito bem ser balançada de felicidade no final, após a sua vitória? Quando a barriga gelar, as mãos suarem, o medo chegar sem ser convidado e as pernas tremerem, lembrem de mim e das minhas tentativas infantis de parecer adulto: Se não for funcionar, antecipe-se: "Grande coisa! Eu já sabia que poderia ter sido assim!"

Agora, se der certo, SURPREENDA-SE E COMEMORE! VALEU A TENTATIVA!
SE TEU HERÓI CAIR
Allison da Silva Ambrósio

O teu herói caiu
O teu irmão falhou
O amigo fugiu
A força te deixou...

Se a luta não cessar
E a dor continuar
Se em vão tentar vencer
Quase a cair...

Se o teu herói cair
Se o teu irmão falhar
Se o amigo fugir
E a força te deixar...

Lembra do Cristo
Que por ti se deu
E te espera crer
Pra revelar- te um céu...

Creia pois no Senhor
Que pode encher de amor
E firme assim, feliz serás...

Se teu herói cair...

sábado, 5 de abril de 2008

O AMOR
Allison S. Ambrósio

O amor, santo mistério
O amor não fica velho
Penetra e invade a alma
Suave calma
Celeste dádiva

O amor tem mil matizes
Profundas suas raízes
Penetra e regenera
Suporta e espera
Não se exaspera
O amor...

Ao nascer no dia o sol
O amor nasce também
Ao brilho da estrela no céu
O amor rebrilha além...

O amor tem mil matizes
Profundas suas raízes
Penetra e regenera
Suporta e es[era
Não se exaspera
O amor...
A ÚLTIMA UTOPIA

Cidadãos, já imaginaram o futuro? As ruas das cidades inundadas de luz, ramos verdes à soleira das portas, as nações irmãs, os homens justos, os velhinhos abençoando as crianças, o passado amando o presente, os pensadores em plena liberdade os crentes em plena igualdade, o céu por religião, Deus Sacerdote direto, a consciência humana transformada em altar, não mais ódios, a fraternidade entre a escola e a oficina, por penalidade e por recompensa a notoriedade, trabalho para todos, paz para todos, direito para todos, não mais sangue derramado, não mais guerras, as mães felizes!

Domar a matéria, eis o primeiro passo; realizar o ideal, eis o segundo. Reflitam sobre o que o progresso já fez. Outrora, as primeiras raças humanas viam com terror passar-lhes diante dos olhos a hidra que soprava sobre as águas, o dragão que vomitava fogo, o grifo, monstro do ar com asas de águia e garras de tigre; animais assustadores e superiores ao homem. Este, contudo, armou-lhes laços, os laços sagrados da inteligência, e acabou por dominar os monstros.

Dominamos a hidra, agora chama-se vapor; dominamos o dragão, agora chama-se locomotiva; estamos prestes a dominar o grifo, já o temos em nosso poder, agora chama-se balão. No dia em que essa obra digna de Prometeu estiver terminada, quando o homem tiver atrelado definitivamente à própria vontade a tríplice quimera da Antiguidade, a hidra, o dragão e o grifo, ele será senhor da água, do fogo e do ar, e será para o resto da criação dotada de alma o que os antigos deuses foram outrora para ele. Coragem e avante!

Cidadãos, para onde iremos? Para a ciência transformada em governo, para a força das coisas transformada na única força acessível a todos, para a lei natural recebendo sanção e penalidade em si mesma e promulgando-se pela evidência, para uma aurora de verdade que corresponde à aurora do dia. Caminhamos para a união dos povos, para a unidade do gênero humano. Chega de ficções e de parasitas. O real governado pela verdade, eis o nosso objetivo.

Parte do discurso de Enjolras, personagem do livro “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, pouco antes de morrer pela instalação da República Francesa.

segunda-feira, 31 de março de 2008

A ANSIEDADE DE CADA DIA
Allison da Silva Ambrósio

“Não andeis ansiosos por coisa alguma; antes em tudo sejam os vossos pedidos conhecidos diante de Deus pela oração e súplica com ações de graças; e a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus”. Filipenses 4:6, 7


Certo homem foi ao médico, sentindo muitas dores por todo o corpo. Sendo solicitado que apontasse os lugares em que pareciam mais fortes, com o indicador ele passou a mostrar e a dizer:

- Ai! Dói aqui e, ai, dói aqui também doutor! Ai! Aqui também dói!

Ao final da consulta ele saiu com o dedo indicador engessado!

Fica difícil tomar remédio para dores que não sabemos definir. É muito ruim quando sentimos que há algo errado em nosso interior, embora não saibamos corretamente o que é. É como o bebê recém nascido que não sabe se exprimir. Apenas chorar. De madrugada!

Gosto desse versículo acima, porque ele joga alguma luz sobre a questão da ansiedade, grande incógnita para a raça humana. Logo no início já propõe que em tudo devem ser conhecidos os nossos pedidos diante de Deus. Algo como se aproximar de alguém para compartilhar um problema, tendo pleno conhecimento da situação.

Interessante observar que, apesar de conhecer o nosso coração, Deus espera que compartilhemos o que sentimos, reflitamos sobre o que realmente queremos, ou o que prioriza a lista das nossas angústias. Ouvi algo realmente importante essa semana sobre a Bíblia. O objetivo da Palavra não é revelar Deus a nós. Justamente o contrário. Revelar-nos a nós mesmos e, no processo, encontrarmos Deus.

Quando Paulo afirma que em tudo devem ser conhecidas diante de Deus as nossas petições, ele cria um ambiente não para Deus, e sim para nós, para encararmos a realidade a nosso próprio respeito - aquilo que realmente importa ou incomoda ou nossos corações. A cura da ansiedade é a confrontação honesta do que passa pelas nossas mentes, na medida em que confessamos sentir.

Quando Sigmund Freud lançou as primeiras luzes da psicanálise, não foi à toa que o processo terapêutico ficou conhecido como “talking cure”, ou seja, a cura por falar. Quando você fala, quando você desabafa, quando você excreta da alma aquilo que lhe incomoda, ocorre o inicio da cura, do alívio que você precisa para prosseguir. A oração, de fato, nos conecta com Deus. Mas, diferentemente das nossas deduções arrogantes, não é para que Deus se agrade de nós, e sim, para que nós nos percebamos Nele. Saber que ele está lá, perto da nossa voz, ouvindo sobre aquilo que ele já conhece a nosso respeito, traz alivio à nossa alma.

Coisa alguma e em tudo – A abrangência dos termos nos dá a dimensão do envolvimento que Deus disponibiliza para cada um de nós. Nada do que nos aflige deve ser esquecido. Nenhuma ansiedade deve escapar de ser confrontada, trabalhada, confessada aos pés de Jesus. Se afligir o suficiente para roubar um minuto sequer do nosso tempo, pode e deve ser compartilhada com Deus.

E a paz de Deus – O grande objetivo de Paulo não era o de desviar nossa atenção da situação presente. Pelo contrário, ele queria que a enfrentássemos, porém, de uma maneira mais consciente, mais clara e, consequentemente, mais objetiva. Sei exatamente o que está acontecendo e conto com todas as minhas possibilidades para solucionar.

Penso que aí é que ocorrem os equívocos na interpretação do texto sagrado. Em nenhum momento o apóstolo está afirmando a solução imediata, ou sequer a solução definitiva de um problema. Não há regalias para a vida dos crentes sobre a terra. Não nos tornamos imunes às correntes de águas que arrastam carros no Rio de Janeiro, aos ônibus incendiados em São Paulo, aos diques arrebentados, cheios de lama no interior de Minas Gerais ou a onda de assassinatos em Vitória do Espírito Santo. O que os cristãos parecem querer na verdade é um salvo conduto pela vida, onde as dores são expulsas do nosso cenário e nunca mais saibamos o que é provação. Um conto de fadas parece ser mais próximo dessa realidade impossível que muitas vezes buscamos com a nossa espiritualidade.

Quero amar a Deus sem tirar os pés do chão da minha própria história, porque senão, vou acabar criando um mundo imaginário, de faz-de-conta, sem qualquer conexão com a realidade em que vivo. Deus torna-se assim um objeto de culto dissociado do verdadeiro eu que, por causa desse distanciamento, irá embrutecendo lentamente, até que Ele não signifique mais nada para mim.

Pela oração e súplica – O canal de comunicação fica definido: oração e súplica. Uma vez que são apresentados dessa maneira, fica clara a diferenciação entre termos. Orar é falar, contar, estabelecer contato. Não significa necessariamente pedir, reivindicar, reclamar ou, muito menos ainda, exigir qualquer coisa. Significa comunicar, estabelecer através da oratória, cientificar. Poderia trabalhar, dentro dessa linha de raciocínio, a oração como um boletim atualizado sobre o estado do paciente que se dirige a Deus.

A súplica surge a partir disso. Depois de relatar, conhecer com clareza o que me aflige tenho subsídios para suplicar o favor do Senhor para tal situação. Tenho a impressão de que acontece mais ou menos como nós nos relacionamos com nossos filhos. Eles se aproximam e choram, às vezes até bem mais do que falam, e nosso papel é o de ajudá-los a coordenar as idéias, de modo a que eles mesmos consigam compreender realmente o que os está incomodando.

Geralmente, a simples constatação clara do problema já traz em seu bojo a solução. Quando as coisas ainda estão emaranhadas, confusas, sem começo e sem final, temos a tendência de acreditar que os nossos problemas são muito maiores do que de fato são. Percebe-los corretamente é, sem dúvida alguma, o começo da solução.

E A PAZ DE DEUS – Junto ao alívio produzido pela descoberta do cerne da nossa angústia, vem também a constatação do lugar onde isso se deu. Aos pés do Senhor, cuja presença suave nos traz paz. Começo a entender que estar ao lado do Pai faz toda a diferença. “Tenho-vos dito essas coisas”, disse Jesus, “para que em mim tenhais paz”.

QUE EXCEDE A TODO ENTENDIMENTO – Talvez seja essa a razão porque tal paz excede a nossa capacidade de compreensão. É difícil compreender alguém que, em meio a grandes dificuldades e lutas, consegue manter um espírito sereno, um controle tranqüilo sobre as coisas. Extrapola a nossa compreensão tal comportamento.

GUARDARÁ OS VOSSOS CORAÇÕES – O rei Salomão nos ensina que é do coração que procedem as saídas da vida. Quando Paulo nos diz que a paz de Deus guardará os nossos corações, ele nos estimula a pensar nas atitudes refletidas, nos passos estudados sem precipitação e, consequentemente, nas escolhas feitas de uma forma madura. É difícil para alguém que tem o controle da situação, agir de forma desorientada, precipitada. Só dos mais alterados, nervosos e assustados é que esperamos tal atitude.

E OS VOSSOS SENTIMENTOS – Tão importante quanto fazer alguma coisa é por que fazer. Qual a real motivação que me faz escolher isto ou aquilo? Quais as intenções do meu coração quando optei por este caminho em detrimento daquele? Se eu de fato estiver em paz, não me pautarei por sentimentos revanchistas e vingativos. Não me deixarei adoecer por atitudes menores que o padrão adotado por mim. Meus sentimentos serão verdadeiros, autênticos e destituídos de rancor. Por quê?

EM CRISTO JESUS – Porque todas essas manifestações de paz em meu interior fluirão a partir de Cristo. Não há sombra em Jesus. Não é possível me aninhar em seu abraço de paz e tentar responder ao mundo com rancor. O caráter de Cristo é o grande alvo da minha caminhada de fé. É por isso que terei bem guardados o meu coração e os meus sentimentos nele.

Onde está aquela ansiedade que estava aqui?

domingo, 30 de março de 2008

Tributo a uma amiga!

As primeiras vezes de qualquer coisa costumam ser marcantes. O primeiro dentinho, os primeiros passos, as primeiras palavras, a primeira infância. Depois vem o primeiro dia de aula, as primeiras letras, as primeiras frases e, no meu caso, os primeiros cascudos das primeiras confusões em que me metia na escola.

Lembro-me da primeira suspensão que recebi, por subir com tênis e tudo na carteira, justamente quando queria pedir silêncio aos companheiros. Líder em crescimento, logo percebi o preço de tamanha ousadia. Foi no mesmo colégio em que resolvi ter a primeira briga por uma garota, que iria passar bem no local que escolhi para o embate. Tive que enrolar um pouco meu oponente, que não estava entendendo nada daquilo tudo. Só topou a briga porque era meu amigo e não queria me contrariar!

Quando a Vania chegou, me preparei para dar um soco no meu "ini"amigo que, ao perceber que eu não estava brincando, se esquivou rapidamente da direção do meu braço. Perdi o equilíbrio no cascalho sob o qual estávamos e caí vergonhosamente, a tempo ainda de perceber no canto dos lábios da garota um risinho constrangido.

A primeira vez que convidei uma garota para dançar foi no Rio de Janeiro. Festa no Morro da Pavuna, meus primos todos estavam lá. Era uma loirinha de uns seis ou sete anos. Eu tinha nove. Achei que sendo mais velho imporia assim uma reverência maior. A musica era do Michael Jackson: "Music and Me". Eu suava em bicas, sem qualquer controle nos pés que pareciam de um retardado. Pisei tanto nos pés da garota, que ela nem quis esperar o final da canção. Era a música ou o seu pé. Preferiu o pé.

Assim, as primeiras coisas vão se tornando significativas, talvez por representar avanço, crescimento, descoberta, aprendizado. Quando dirigi um carro a primeira vez, o primeiro verso, os primeiros acordes, o primeiro choro de amor, o primeiro beijo.

A primeira perda significativa veio de meu irmão, Alfeuzinho, vítima de sua segunda trombose. Morreu um dia antes do dia das mães, em Maio de Setenta e Oito. Sei disso porque o sepultamento seria no dia seguinte, dia da minha primeira apresentação em um teatro, com o grupo da escola de música de Brasília. Quando disse a todos que meu irmão iria ser sepultado naquela tarde, foi um choro geral e uma apresentação primorosa na quela manhã.

Mas, o que destampou essa caixa de lembranças das primeiras vezes de qualquer coisa? É que hoje eu comi o último pedaço do chocolate que me veio pelo correio, poucos dias atrás. Minha amiga Jeusa enviou pelo correio um caixa para mim, cheia dos mais variados tipos de chocolate. O que mais me encantou foi a delicadeza do presente, cheio de pequeniníssimos detalhes que, com certeza, demandaram um cuidado tremendo para chegarem inteiros em Floripa.

Foi a primeira vez que me senti assim tão especial, a ponto de alguém resolver fazer um mimo desta magnitude para mim. Foi especial, marcante, carinhoso e muito superior ao carinho que lhe fiz dias antes, cantando uma de minhas canções que lhe tocam o coração. Resolvi registrar, obedecendo a um desejo recente do meu coração, de não deixar passar despercebido qualquer demonstração de carinho que me for endereçado.

Obrigado, querida amida, por adoçar um pouco a minha vida e da minha família!

Com muito carinho e afeto para você!

PARA ENCERRAR O MÊS

TÂNIA LÚCIA
Allison da Silva Ambrósio

Pedalando na Avenida Beira Mar Norte, na linda e ensolarada manhã que se fez hoje na ilha, já estava retornando ao ponto de partida, quando observei do meu lado esquerdo uma exposição de veículos antigos. Havia vários Dodges, Mavericks, Dkws e fuscas, muitos deles. Dentre as muitas sensações que tive ao encontrar esses carros rigorosamente completos, como que desafiando o tempo, pude sentir minha ansiedade aumentando, depois de perceber que já havia andado na maioria deles!

Ainda bem que foi justamente quando estava me exercitando com a bicicleta, pois de outra forma eu teria uma sensação de dores por todo o corpo. Vi uma Rural 1964 que tinha as mesmas cores que um carro similar, dirigido por meu pai em certa ocasião, quando nos arrumamos à meia-noite e saímos em direção a estrada de Santos. Recém inaugurada, inclusive! Um Galaxie 500, também exposto ali me lembrou uma dessas noites preciosas quando, ao pegar uma boa estrada e sentir o desejo de pisar mais fundo, meu pai me “incumbiu” de acompanhar o avanço do velocímetro, enquanto ele testava os limites do veículo.

Seria a mais absoluta hipocrisia se eu quisesse aqui “pagar” uma lição de moral no velho, pois não me lembro de ter ficado tão excitado com uma infração como fiquei naquela noite. Aliás, nunca soube direito qual era a função de meu pai na Ford-Willis onde trabalhava. Só me lembro que de tempos em tempos ele aparecia em casa com um carro novo, que era devolvido no dia seguinte.

Mas, dentre todas essas lembranças que pipocavam em minha mente, indo e voltando, unindo meu passado ao meu presente e trazendo-me de presente novas lembranças, parei de repente, como que hipnotizado por ela, a grande dama da minha exposição – Tânia Lúcia.

Primeiro carro que pude chamar de meu, Tânia Lúcia era um Volkswagen TL (daí o apelido), bege, frente alta e bancos em forma de gomos, muito luxuosos para aquele tempo. Meu pai a havia comprado num daqueles negócios mirabolantes que só ele conseguia fazer. Sem nenhum problema aparente, tanto na máquina quanto na lataria, Tânia Lúcia logo passou a fazer parte do meu mundo, na melhor forma possível.

Veio com um toca-fitas que não tinha rádio, único exemplar que conheci em toda minha vida. Fui à discoteca 2001, no Conjunto CONIC, última loja antes de se chegar ao Setor Comercial Sul. Comprei as fitas dos grandes maestros: Paul Mauriat, Glenn Miller, Ray Connif, aproveitando alguns títulos que precisei pagar por ali, como funcionário da Check Mate Informática.

Morávamos em Valparaízo de Goiás, a cinqüenta quilômetros de Luziânia, na direção de Goiás e quarenta e dois na direção de Brasília. Portanto, apenas para ir e voltar do trabalho eu dirigia oitenta e quatro quilômetros todos os dias. Meu pai, com uma resistência igual à minha hoje quando o assunto é trajeto longo, dormia logo após eu ajustar a frente da Tânia Lúcia em direção à Estrada-Parque Taguatinga, roteiro obrigatório para voltarmos para casa.

Uns quilômetros mais adiante era o momento de eu pegar uma das minhas fitas cassetes. Éramos nós três – eu, Tânia Lúcia e o Glenn, Ray ou Paul, agora mais íntimos do que nunca. Aos primeiros acordes da orquestra e todo o cansaço do dia desaparecia como mágica. Tânia, solidária com meu sonho diminuía até o ronco de seu motor de mil e seiscentas cilindradas. Mal sabia ela que aquilo também era música aos meus ouvidos. Em um novo momento encantado, os lindos eucaliptos que ladeavam a estrada, perfumando a viagem de todos desapareciam. Via-me dirigindo nas auto-estradas européias, vendo castelos centenários onde havia somente árvores, pouco tempo antes.

Tânia Lúcia também sofrera uma revolução estética impressionante. Não era mais um Volkswagen mil, novecentos e setenta e três. Havia se transformado em um potente Porsche Carrera conversível, o deus sobre rodas daquele tempo. Glenn Miller continuava a jogar suas harmonias perfumadas de eucalipto, enquanto eu cortava o negrume da estrada em espírito e em verdade. Em espírito, nas estradas suíças, embevecido com os castelos que nunca visitei. Em verdade, na estrada-parque em direção ao Valparaízo de Goiás.

E meu pai? Meu pai, em meu devaneio semi-juvenil tinha se tornado em uma loura estonteante, de cabelos esvoaçantes e medidas generosas. Afinal, a Jackie ainda não existia em minha vida, além de nenhum Play-Boy sair por aí passeando com papai. Que outra atribuição poderia lhe dar em meu sonho? Porém, por questões mais que óbvias, nunca me senti a ponto de estacionar meu Porsche ao lado de um castelo e dar uns beijos na minha loura!

quarta-feira, 19 de março de 2008

DUÍLIA

Essa noite eu assisti a um filme rodado nos anos sessentas, baseado em um dos contos mais bonitos que já li: “Viajando nos Seios de Duília”. Acho que uma das coisas que tornou o texto mais significativo para mim foi estar com o Ricardo Gondim naquela tarde, num dos raros momentos de descontração que tivemos em Fortaleza, numa livraria do Iguatemi.

O texto se encontra na coleção “Os Cem Melhores Contos do Século”, ou algo assim. Fala de um homem, Sr. José Maria que, ao que tudo indica, estacionou todas as suas emoções em um singular momento de sua adolescência, quando foi procurar a garota por quem estava apaixonado havia muito tempo, contudo sem coragem de falar.

Seu pai recebeu uma nomeação do governo federal no Rio de Janeiro, que o chamava para assumir o trabalho em apenas dois dias. Portanto, Zequinha precisava encontrar Duília, seu amor de juventude para dar as duas notícias – a partida iminente daquele vilarejo onde moravam e a paixão que sentia. Para sua surpresa, ela também lhe confessou ser apaixonada por ele desde muito tempo, o que o sobressaltou em razão de só saber dessas coisas no tempo de ir embora.

Quarenta anos depois, o agora Sr.José Maria está aposentado, morando no Rio de Janeiro e muito infeliz. Descobriu que havia posto todas as suas energias no trabalho e não construiu família, amizades ou relacionamentos duradouros. Por causa de uma conversa informal em um velório, José Maria chega à conclusão de que se voltar a Pouso Triste, a cidadela de onde saiu e onde deixou o seu grande amor, provavelmente reencontraria a felicidade.

Desde a viagem em si até a chegada, não se faz necessário dizer que foi uma grande decepção o seu retorno. Apesar de nada ter mudado esteticamente falando – a cidadezinha ficava no interior mais remoto do Estado de Minas Gerais – o José Maria havia mudado. Lugares que pareciam enormes, agora para ele eram atravessados em poucas passadas. Rios caudalosos para um menino, não passavam de riachos frágeis e inofensivos para o homem que voltou.

Quando se aproximou de Duília, agora uma senhora de mais de sessenta anos de idade, viúva, três filhos, ao revelar finalmente quem era, fez com que a mulher se angustiasse e perguntasse decepcionada: “Por que você fez isso? Por que voltar no tempo, atrás de um passado que não existe mais, de uma pessoa que nunca mais será a mesma?”. Quando se deu conta dessa realidade, José Maria saiu da sala, caminhando como que sem rumo em direção à árvore onde deu seu primeiro e único beijo de amor.

O filme termina assim. Assim como a vida, que nem sempre segue um roteiro do Spielberg em seu final. Seca, fria e inexorável. “É a vida!”, multiplicam-se afirmações do tipo. Achei até melhor que nem o autor do conto e nem o roteirista do filme tivessem tentado dar um final plausível para o homem desesperado. Acho que seria a morte, mas, na idade em que se encontrava, talvez nem conseguisse voltar mais para o Rio de Janeiro.

Já voltei no tempo algumas vezes, revisitando lugares e reencontrando pessoas queridas. Em algumas delas chorei de emoção. Não sei se isto já um dispositivo de prevenção emocional da nossa própria mente, pressentindo a chegada da maturidade. Aí nos apegamos às curvas, alças e nós do passado, da nostalgia, como que querendo voltar no tempo, nem tanto pela experiência em si, mas para adiar a fila da partida eterna.

É quando os perfumes, os sabores, as cores e frases nos chegam com toque de eternidade. É quando nos encontramos a administrar medos jamais antes sentidos. E saímos correndo atrás das Duílias da nossa história. Ou dos Josés Marias, diriam as mulheres. E eles não estão mais lá. E as histórias não estão mais lá. Finalmente descobrimos que nós também não estamos mais.

quinta-feira, 13 de março de 2008

AUDÁCIA!

Todas as conquistas sublimes são mais ou menos prêmios de coragem. (...) O grito - audácia!- é um fiat lux. Para que o gênero humano marche sempre avante, é preciso que no horizonte, permanentemente, haja altivas lições de coragem. As temeridades deslumbram a história e constituem uma das grandes luzes do homem. A aurora, quando surge, é ousada. Tentar, desafiar, persistir, perseverar, ser fiel a si mesmo, agarrar o destino corpo a corpo, espantar a catástrofe pelo pouco medo que ela nos causa, afrontar às vezes o poder injusto, ou insultar a vitória ébria, resistir, perseverar; eis o exemplo necessário aos povos, eis a luz que os eletriza. O mesmo clarão formidável passa do facho de Prometeu à imprecação de Cambronne. (trecho de “Os Miseráveis”, de Victor Hugo – Ed. Cosac&Naify, livro II, pg. 33)

quarta-feira, 12 de março de 2008

O GRILO

Aprendi ainda menino essa poesia do Gioia Júnior. Até hoje me enternece. Quero dividi-la com você!

Numa noite clara, de lua redonda
Como um queijo branco no prato do céu
Do meio do mato uma voz ouvi
Que falava sempre:
Cri, cri, cri,cri,cri...

Estava sozinho, sem nenhum amigo
Com quem conversasse, então decidi:
Com o grilo alegre vou travar conversa
Ei grilo, não temas que eu não sou de briga
Creste no que eu disse?
E o grilo do escuro respondeu na hora, como se entendesse:
Cri, cri, cri, cri...

Fiquei muito alegre!
Ele me entendia e me respondia com satisfação
Pus-me a contar fatos que o deixaram quieto
Prestando atenção

Uma vez, amigo, veio ao mundo um homem
Muito meigo e puro, libertando a todos, saciando pobres
Homem tão bondoso como igual não vi
Creste no que eu disse?
Respondeu-me o grilo como se entendesse:
Cri, cri, cri, cri...

Pois o tal profeta (ele era profeta) dedicado e amigo
Recebeu dos homens o pior castigo que já conheci
Numa cruz pesada foi crucificado
Suas mãos sangraram rasgadas, feridas
Sua fronte clara foi lavada em sangue
Padeceu torturas como nunca vi
Creste no que eu disse?
Respondeu-me o grilo como se entendesse:
Cri... cri... cri... cri...

Mas, um dia, um belo dia de domingo
Esse homem puro que nenhum pecado no mundo provou
Rompeu as barreiras da morte gelada
E ressuscitou!
Seu corpo na pedra do frio sepulcro
Ninguém mais achou
Bom... Já se faz tarde. Vou dormir amigo
Mas... Ó? Companheiro? Tu creste de fato no que eu disse aqui?
Respondeu-me o grilo, como se entendesse:
CRI! CRI! CRI! CRI! CRI!
FELIZ ANIVERSÁRIO, PAI!
Allison da Silva Ambrósio

“A palavra foi dada ao homem para esconder o que pensa” Charles Maurice T. Perigord, Príncipe de Benevento (1754-1838)

Não sei ao certo o que eu esperava ao ligar. Desde uma semana antes já pensava nele insistentemente. De repente, a proximidade de seu aniversário me deixou inquieto e meio ansioso para lhe falar alguma coisa. Qualquer coisa, desde que conversássemos novamente. Passei o dia esperando um sinal interior que me liberaria para fazer o contato.

Liguei para o meu irmão mais novo, no Rio de Janeiro, com o intuito de conseguir algum número telefônico do meu pai, já que ele mudava muito e não tínhamos um contato freqüente. Aliás, não tínhamos contato algum. Essa também era uma das minhas queixas em relação a ele. Se eu não ligasse de vez em nunca, seria uma espécie de órfão com pai vivo.

A impressão que me vem, sempre que penso nisso é que ele desenvolveu um mecanismo interior que o libera de qualquer responsabilidade emocional com sua primeira família. Outras responsabilidades, tais como econômica, administrativa ou financeira há muito não esperamos dele. Se não existia tal compromisso enquanto dentro de casa, imagine fora e com outros filhos para sustentar?

Liguei para ele e quem atendeu foi o meu meio irmão, um garoto simpático e inteligente, que logo me reconheceu na ligação. Contou que todos haviam saído para um jantar de comemoração pelo aniversário do velho. Afinal, setenta e sete anos de idade merecem ser bem comemorados!

A chamá-lo para me atender, pude escutá-lo na extensão, se aproximando e falando alto, como que surpreso e feliz por eu ter ligado. “É o Allison? Não acredito! É o Allison mesmo?”. Em outros tempos eu cairia facilmente nessas suas introduções. Descobri com o tempo que isso faz parte de um formidável arsenal que ele construiu durante anos, com o propósito de escapar de uma situação constrangedora como, por exemplo, não ter uma explicação plausível para o seu completo silêncio em relação a mim.

A festa ao me atender é tão dissonante com a distância que tem havido entre nós, a ponto de me intrigar. Se ele fica mesmo tão feliz assim com minha ligação, porque não me ligou pelo menos uma vez nesses últimos dois anos? Aliás, foi até mesmo um alívio para o meu coração, quando me lembrei que não havia dois anos de silêncio. Numa das minhas carências do ano passado, liguei provavelmente no início do semestre, quando as minhas angústias se agravam mais. O assunto de hoje na ligação parecia o mesmo daquela ocasião, gêmeo uni vitelino de todos os assuntos de qualquer tempo.

Suportando a saraivada de perguntas iniciais que, como disse anteriormente, tem a propriedade de manter um papo por uns minutos a mais, depois que o felicitei pelo aniversário, desejando de coração que tivesse saúde para viver ainda por muito tempo, aquela ligação que tinha vida tão curta quanto as anteriores acabou por me surpreender. Houve um elemento novo. Um choro insistente de bebê ao fundo.

Antes que eu dissesse alguma coisa sobre isso, meu pai foi logo explicando que o “neném” estava chorando muito, comentário que me pareceu uma senha delicada para se encerrar nosso assunto. Se propositalmente ou não, me ouvi perguntando sobre o tal neném, não sei se para tentar estender mais o pouco contato ou simplesmente para satisfazer uma curiosidade repentina e urgente que surgiu em meu horizonte.

Ele me respondeu como que admirado de eu não saber ainda. Era o Daniel, seu terceiro filho do novo casamento. Como um flash acionado em algum ponto do salão, lembrei-me de alguma coisa que o meu irmão mais velho me havia falado nesse sentido. Disse-me que o pai estava adotando uma criança. Na ocasião achei tão improvável quanto banir a corrupção no Congresso através de Medida Provisória. Depois de onze filhos com minha mãe e mais dois com sua nova mulher, o que queria ele ao assumir mais um menino?

Um misto de surpresa aliada à revolta, indignação ou crítica tomou meu coração. Fiquei de tal forma que me ouvi perguntando segunda vez: “Como assim, mais um filho?”. Sua reação também foi por puro reflexo: “Ele iria morrer se a gente não acolhesse!”. “Mas, e a gente?”, pensei, “por que não nos acolher também? Por que, ao invés de adotar mais um, não cuida de alguns dos que já são seus?”, pensei outra vez. “Se pode investir em uma criança dos outros, por que não investir numa das que você mesmo pôs no mundo?”, pensei miseravelmente outra vez.

Um hiato, rápido e eterno. Talvez, os segundos que perdi em tantas perguntas interiores que, qual magma vulcânico agitava-se descontrolado no meu coração. Quis ser cruel e vomitar minha cólera repentina. Quis ser infantil, qual menino que deseja o mesmo carrinho que assistiu ao outro ganhar. Quis ser um moralista, que constrange a partir do próprio exemplo, mas, ao lembrar de mim mesmo e do esforço que faço para melhorar, achei melhor não correr o risco de ser um demagogo.

“Só liguei mesmo para saber se você está bem e com saúde. Feliz aniversário, pai”, falei metalicamente. “Obrigado meu filho”, ele me respondeu formalmente. Devo ter mandado um beijo ou coisa parecida, ao que ele provavelmente tenha devolvido. Desligamos. Minha filha surgiu no canto da sala, vindo em minha direção da forma que mais gosta ultimamente – fazendo estrelinhas. Contive o desejo de chorar, sem saber exatamente por quê. Ela veio e saltou perigosamente sobre mim, com o risco de se machucar. Dessa vez não briguei. Consegui segurá-la, apertando-a contra o meu peito sobressaltado.

Será que foi isso? Será que saltei também?