sexta-feira, 25 de abril de 2008

PASSEANDO DE ZEBRINHA NA CAPITAL FEDERAL
Allison da Silva Ambrósio


Antes de o avião pousar em Brasília, eu pude observar aquela vegetação típica do cerrado, do planalto distrital, com sua terra vermelha seca e organização irritante. O diferencial desta vez foi o transporte que utilizei para ir ao encontro do meu cunhado, no final da avenida W3 norte – o microônibus da cidade, chamado carinhosamente de “zebrinha”.

Desde a aproximação do início da “Asa Sul”, parte que delimita o formato de avião que tem o Plano Piloto, minhas emoções emergiram densamente. A Escola Classe 316 Sul, onde estudei os primeiros anos e para onde ia a pé, desde a ponta da Avenida L2 Sul. O primeiro registro oficial de uma composição que fiz é uma paródia em homenagem àquela escola.

Pouco depois, o coletivo dobrou à direita, entrando na avenida W3 Sul. Palco de doces e delicadas lembranças, em seu início vê-se o Pão de Açúcar, já presente em minhas lembranças de menino, embora muito mais sujo hoje que há vinte e quatro anos, quando deixei a cidade. Atrás do ponto de ônibus instalou-se uma espécie de feira livre e permanente, onde os menos afortunados procuram salvar-se como podem, vendendo quinquilharias descartáveis e frutas suspeitas.

Avançando mais pela avenida, encontrei o prédio onde funcionava o Ristorante Cazebre 13, na época a mais tradicional casa de massas em Brasília. Cedera lugar a alguma coisa feia, que não consegui discernir o que era. Passei pelo posto de saúde 08, para onde fui com meus irmãos, receber vacina contra varíola. Eloine, apesar de ser minha irmã mais velha era sem dúvida alguma a mais medrosa. Esboçava certa coragem, na medida em que chegávamos ao posto de saúde. Porém, bastavam faltarem duas ou três crianças a sua frente para se dirigir novamente ao fim da fila. No final foi preciso segurá-la para ser vacinada, ou melhor, para receber aquelas pequenas cutucadas no braço direito, o que não doía absolutamente nada, como no final constatou.

Sorri comigo mesmo, deleitando-me naquela lembrança pitoresca. Procurei por magazines famosos da época, mas não os encontrei. Aqui e ali, perdido entre outras marcas recentes é que algum letreiro me empurrava de volta ao passado, já que palmilhei por muito tempo aquelas calçadas, como menor aprendiz, office boy e escrevente auxiliar, minha última atividade profissional antes da maioridade.

E logo estava diante do Cartório do Primeiro Ofício de Notas Maurício de Lemos, agora um prédio exuberante de esquina, bem diferente das instalações onde trabalhei, primeiro nas máquinas copiadoras da frente da loja, depois como escrevente auxiliar de dois escreventes juramentados – Vagner e Rui.

Palco de muitas travessuras, o Cartório também contribuiu para minha nostalgia no banco da zebrinha. Minhas idas até aos clientes mais abonados, que obrigavam o Cartório a se deslocar e não eles. Lembrei de Dona Odila Campos Maia, nome jamais esquecido, a quem fui atender no Heron Brasília Hotel. Levei os livros cartoriais, volumes enormes, negros e pesados, para que ela assinasse a mais algumas escrituras definitivas, de novas propriedades adquiridas na capital federal.
“Allison meu filho”, disse ela, “sei que o dinheiro é a raiz de todos os males. Porém, prefiro sofrer dentro de um Jaguar que num ônibus circular lotado”. Como em narrações de Futebol, essa frase era a senha para se tragar mais um gole de Contreau, que ela dispunha próximo a seu braço, entre uma assinatura e outra.

Já se aproximando do final da avenida W3 Sul estava o hospital Sarah Kubitschek, último prédio antes do setor comercial sul, onde trabalhei em vários escritórios de advocacia. O cenário estava pouco alterado. Muito sujo, apesar de tudo.

Logo depois, o microônibus mergulhou sob os viadutos que entremeiam as asas do Plano Piloto, indo à direção da Asa Norte e outra série de lembranças igualmente doces. O edifício Brasília Rádio Center, ao lado da Rede Globo Brasília à esquerda. À direita pude perceber o curso alfa, onde estudei por um semestre apenas e sai, por causa de um boato de que o mesmo não seria reconhecido pelo MEC. Soube pouco depois que era mentira. Embarcar nessa história custou-me quase vinte anos de formação.

Procurei o escritório da Ferralumi, empresa de um grande amigo meu, o já falecido Jesiel Pereira Raimundo. Perto dali havia uma pastelaria, aonde íamos aos fins de tardes saborear pastéis de queijo, acompanhados de um suco de ameixas delicioso que eles serviam. Eu dirigia uma kombi da empresa, indo buscar os perfis de alumínio comprados no setor de indústria. Voltava escutando no rádio ao programa do Néri da Silveira, “Ao Cair da Tarde”.

Já que comecei, irei terminar. Tratava-se de um programa desses melosos, de música romântica e leitura de cartas tristes. “Sabe Néri, minha namorada não me quer mais, só porque eu sou pobre!”, queixa-se um servente, com o coração partido. “Como vou contar a ele que já fui casada, Néri?”, sofre uma menina do subúrbio, com medo de perder seu novo amor. E lá vou eu, com seiscentos quilos de alumínio na bagagem, meia volta de folga na direção da kombi e o coração amolecido com as músicas dos “The Fevers” e Nelson Ned!

Descendo pela quadra 506 em direção a 512, quase senti novamente o perfume da Sandy, menina linda que o meu amigo Wesley queria namorar. Por isso me fez acompanhá-los, a pé, até à igreja que ficava na 313 norte. Só para ter mais tempo ao lado dela! Enquanto vencíamos a primeira etapa da viagem, surge do nada, ou talvez do quinto dos infernos, um menino em uma mobilete que atendia pelo nome de Eduardo. “Eduardo, uh, uh! Dá uma carona... pra gente?”. Pouco tempo depois, lá ia a Sandy na garupa do moleque, que ria gostosamente dos dois trouxas que ficaram para trás!

Nem notei quando a zebrinha chegou ao ponto que eu deveria descer. Não fosse pela motorista e eu passaria direto, como fiz muitas vezes ao voltar dormindo para casa! Não sei se estou ficando velho e, talvez por causa disso, as lembranças do meu passado estejam com cores assim tão vivas. Mas, sinto uma necessidade enorme de voltar a esses pontos da minha vida. Talvez, para dizer que estive ali, que tenho raízes profundas naquele lugar.

Mesmo morando onze anos em Brasília e depois vinte e quatro anos fora dela, foi a primeira vez que andei de zebrinha na Capital Federal. Se eu soubesse o quanto era bom...

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