terça-feira, 30 de junho de 2009

PIETÁ

Vê se descansa menino
Sua jornada muito longa é
Vai alterar o destino
De milhões que se porão de pé
Vai revelar o caminho
Àquele que se perdeu
Mas, por enquanto quem cuida de você sou eu!

Eu vejo através das eras
Muita gente a se transformar
Vejo famílias inteiras
Se ajoelhando para o adorar
Você será o remédio
Do mal que retrocedeu
Mas, por enquanto quem cuida de você sou eu!

Serão países inteiros se curvando ante o seu nome
E as suas santas palavras saciando a fome
Fome de amor e justiça
Fome de pão e de luz
E preciosas conquistas em o nome de Jesus!

Mas, também sei o motivo
De você nascer nesse lugar
Foi pra sofrer o castigo
Que ninguém podia suportar...

Eu vejo sangue jorrando...
Ouço gemidos de dor...
A sua vida escapando... Se esvaindo por amor...

Não vejo meu filho ali...
Vejo o Cordeiro de Deus!
Sendo imolado e, assim
Me abrindo as portas do céu

E para onde eu irei
Com toda a minha aflição?
Vendo o suplício de um rei
Sofrendo como um ladrão...

Vê se descansa menino
Sua jornada muito longa é
Vai alterar meu destino
E o de milhões que se porão de pé

Vencendo a morte e o pecado
Seu reino não terá fim
Mas, nesse dia é você
QUEM VAI CUIDAR DE MIM!


Letra da canção de Maria, quando do nascimento de Jesus. É a canção que encerra o primeiro Ato do musical “ Maria, mãe de Jesus”. Pra vocês sonharem um pouco comigo...

terça-feira, 23 de junho de 2009

CANTAR PARA CONTAR:
VEM FICAR COMIGO
Allison S. Ambrósio
Foi há muito tempo atrás. Eu estava indo à casa de uma amiga muito querida, no bairro Cruzeiro Novo, no Distrito Federal. Eram mais ou menos oito da noite quando me aproximei do prédio que estava às escuras. Um black-out qualquer, bem comum naquele tempo naquela região e eis toda uma quadra residencial contemplando o brilho das estrelas. Se todos fizeram isto, eu não sei. Ela fez.

Ao olhar na direção de seu apartamento pude ver sua silhueta, sentada na janela de uma forma que me pareceu no mínimo estranha. Observando melhor percebi que sua disposição era a de apenas desfrutar daquele céu brasiliense sem nuvens, cujo brilho das estrelas era realçado pela falta de energia elétrica. Seu corpo estava ancorado na janela, enquanto seu coração ia longe...

Aquela visão, ao contrário de me parecer romântica foi de intensa carga reflexiva. Vi-me naquela experiência, como que pegando emprestado aquele seu momento para me perceber, tendo a oportunidade de passar a limpo minha trajetória até ali. Além dela, resolvi devanear e pensar sobre pessoas que, diferente de solitude enfrentam profunda solidão. Em tempo: solitude é o ato voluntário de se afastar, de experimentar um tempo isolado de todos. Solidão é a ausência não desejada, não programada, contingenciada pela falta de pessoas queridas ao redor. A solitude fortalece a serenidade; a solidão adoece o espírito.

Na solitude somos encorajados a refletir sobre nossos movimentos na vida e pela vida, enquanto na solidão somos arrastados impotentes, em direção a uma mórbida indolência e desesperança. Na solitude percebemos as falhas cometidas, com o propósito de ajustar novamente o foco e seguir adiante. Na solidão somos tentados a nos alimentar dos erros, quais manjares indispensáveis ao nosso projeto de autodestruição. Na solitude somos construídos. Na solidão, dissolvidos. Da solitude saímos para o enfrentamento da vida. Na solidão tememos o minuto seguinte. O personagem do meu devaneio estava solitário. Foi quando comecei a cantar as primeiras letras:

ÀS VEZES INSEGURO, TENTO ACHAR UM JEITO
PARA ENTÃO FICAR SOZINHO
E NESSAS HORAS PENSO EM MIM TÃO IMPERFEITO
ORGULHOSO E TÃO MESQUINHO

Porém, longe de ser algo querido ou buscado, a solidão chega e usurpa seu espaço, tornando-nos réus e verdugos de nós mesmos. O orgulho nos cala, a ponto de não conseguirmos gritar às pessoas mais próximas o quanto estamos sofrendo, o quanto nos seria preciosa qualquer demonstração de carinho, de afeto ou outro gesto que nos faça perceber incluídos. O desespero aumenta, na medida em que nada encontramos. A ninguém encontramos, percebendo assim que teremos que agir e reagir segundo as poucas forças que ainda nos restam.

O Dr. Dráuzio Varela, escrevendo sobre o presídio Carandiru, verdadeiro depósito de seres humanos em São Paulo e agora desativado, registrou a história de um detento que traficava heroína ali. Para explicar a maneira de produzir seringas de aplicação da droga, o preso respondeu: “segundo recursos próprios de mim mesmo”. Achei interessante aquela resposta. Ele era o fornecedor e o cliente. Da manufatura ao consumo, ele só podia contar consigo mesmo. Parece o solitário da nossa história. Um tipo parecido com o descrito por Paulo, o apóstolo em sua carta aos Efésios: “não tendo esperança e sem Deus no mundo” (Ef. 2:3).

É quando se busca nos porões da alma, qualquer coisa que nos habilite, nos credencie a continuar lutando, insistindo com a vida, em um debater-se teimoso e apaixonado. Meu personagem, pinçado daquele quadro, daquela janela, daquela amiga era assim. Ele vasculhava o mais profundo de si, em busca de algo que o convencesse que, como a canção de a Angela Rô Rô, “a vida é bela, só nos resta viver”. Foi assim que pensei ao prosseguir:

E ME DEFENDO, TENTO ME ESCONDER DA MENTE
QUE ME FERE E ME CONSOLA AO MESMO TEMPO
TENTO PENSAR NAS COISAS BOAS PRATICADAS
MAS, COITADAS, POUCAS, LEVADAS AO VENTO...

Claro que não era o caso, nem meu nem dela que, ao contrário do meu devaneio aproveitava aquele momento para dar asas a sua imaginação e fazer também uma pequena canção. Na verdade, nem sei o porquê de eu ter pensado em alguém como esse “eu” que se esconde detrás de muitos rostos bonitos e que esbanjam vitalidade. Quanta miséria há por trás de sorrisos brilhantes e falas macias, na guerra perene do ego ao mascarar quem nós somos verdadeiramente.

Em um velho programa humorístico, vi um quadro que não mais esqueci. Duas mulheres da alta sociedade que se encontraram e, depois dos clássicos e plásticos beijinhos à distância, uma diz à outra: “Querida, fico sempre encantada com você! Nunca consigo encontrar você sem estar sorrindo bastante. Acho formidável seu bom humor!”. Ao que a outra respondeu: “Querida, não é que eu esteja sorrindo sempre. Com a plástica que fiz, fico assim o tempo todo! Agora mesmo, por exemplo, EU TÔ CHORANDO PACAS!”.
Sempre que penso nos comportamentos afetados, dissimulados que encontro vem à minha mente esse quadro. É a fotografia do nosso tempo, quando não se pode acreditar no que as pessoas nos apresentam de si mesmas sem conferir antes sua veracidade. E, ao perceber-se assim, meu personagem da canção se sente ainda pior:

ME ADMITO ASSIM TÃO MAU, TÃO PERVERTIDO
ME ACHO MEU PRÓPRIO INIMIGO...

Mas, a miséria retratada sem a graça de Deus para contê-la torna-se a maior desgraça que alguém possa experimentar! É por isso que outro texto de Paulo é tão reconfortante, quando afirma que “onde abundou o pecado, superabundou a graça!” (ver). Somente a graça de Deus me permite enfrentar os meus medos, os meus monstros interiores e não adoecer na alma. Ela não me exime da realidade, quem sou realmente e como estou no momento presente, mas abre uma porta inefável de alívio e redenção a partir de Cristo Jesus, o seu filho. Não há constatação de fracasso, de impropriedade ou desvalorização que se sustente, ante a paixão demonstrada no calvário. Sendo assim, a resposta para esse personagem que não é ninguém mais que algumas nuanças de nós mesmos não poderia ser diferente:

E O MEU REFÚGIO ENCONTRO EM CRISTO
E ASSIM INSISTO: Ó MEU DEUS
VEM FICAR COMIGO!

Em uma das cenas de minha infância, recordo uma historinha que havia em meu livro escolar. Um porquinho rosado e alegre se afastou dos seus irmãos e, conseqüentemente de sua mãe. Um cachorrinho que rondava o grupo, ao perceber o afastamento do pequeno animal correu em sua direção, querendo mostrar sua superioridade. O porquinho assustado retorna correndo, buscando de sua mãe a própria legitimidade, a sensação de pertencimento e autoconfiança. Ao sentir-se seguro novamente, ele se volta para o cãozinho e o enfrenta. Sabe que nada mudou em si mesmo, a não ser a confiança renovada de que não está só. Acho que é isso mesmo que precisamos lembrar. Cristo sempre está perto. Ele prometeu. Está a uma oração de distancia, de um servo que pede humildemente: VEM FICAR COMIGO?

segunda-feira, 15 de junho de 2009

ACHO QUE VOCÊ É UM SALMISTA...


Quando menino, em minha pré-adolescência brasiliense eu era chamado de “azul”, “cabeça-de-palito-de-fósforo”, “de - noite” e vários outros apelidos que agora não lembro. Em alguns casos eu ralhava com o desrespeito. Era pior. Aí é que o apelido grudava mesmo. De todos os que duraram algum tempo, o que mais ficou foi uma contração até certo ponto carinhosa do maior deles: “palito”.

Lembro-me do “Saulogate” me chamando assim. Ele, por sua vez recebeu o apelido estranho, em razão de ter sido pego furtando um caderno em sala de aula. Era a época do escândalo do partido republicano norte americano, que foi conhecido como o “escândalo de Watergate”, culminando na renúncia do presidente Richard Nixon. E o Saulinho abriu caminho para o nascimento do Saulogate!

Nunca me aborreci realmente com os diversos apelidos que, ao longo dos anos eu fui colecionando. Até porque eu sempre gostei do nome que meu pai me deu, embora ele mesmo me dissesse um dia que não sabia o seu significado. Depois de saber que os nomes das minhas irmãs tinham belos e bíblicos significados, fui procurá-lo e perguntar. Ele me disse que não me deu esse nome por algum motivo especial. Aliás, ele estava esperando minha mãe no hospital, já em trabalho de parto, quando começou a folhear uma revista de motores e turbinas. Foi assim que descobriu o Turbo Allison, definindo então qual deveria ser o meu nome.

Não gostei nem um pouco da explicação, ainda que tenha gostado de saber que meu nome estava associado a uma turbina de avião. Mesmo assim, achei melhor pensar em alguma explicação mais clássica. Encontrei-a nos Estados Unidos, com suas expressões idiomáticas interessantes. Em inglês, meu nome se torna uma delas: All is on (Está tudo em cima!). Muito melhor! Está tudo bem, está tudo em cima comigo! Adotei essa expressão para mim.

Depois que li um versículo especial na carta de Paulo, o apóstolo aos filipenses, no capítulo quatro e versículo onze, eu tentei mudar um pouco a forma de olhar a vida: “aprendi a viver bem em toda e qualquer situação”. Estar bem em qualquer situação não significa de modo nenhum que as coisas vão melhorar magicamente, apenas porque pensamos positivo. Significa que, a despeito de tudo vamos tentar preservar uma boa perspectiva em todas as situações.
É extremamente difícil, mas vale à pena o esforço. Foi assim que aprendi a fazer música das minhas dores, ansiedades e angústias. Alguns dos maiores clássicos “lá de casa” surgiram das tristezas que senti e, não fosse a minha poesia, estariam agora no esquecimento do tempo que passou. Agora, além de me mostrarem como foi que saí do atoleiro que me propunham, as canções desse tempo têm ajudado a centenas de outros que as acessam através dos CDs que eu produzo depois.

Estava conversando com uma irmã sobre a vida, sem perceber a quantidade de vezes em que me reportava às canções que escrevi durante esse período. A música e a poesia já há bastante tempo se tornaram características da minha resiliência, da minha teimosia em continuar lutando depois de vários golpes sofridos. “Acho que você é um salmista”, ela me disse, depois de escutar mais uma das minhas canções.

Fiquei lisonjeado com essa observação, embora a imaginasse um tanto imprópria no meu caso. A primeira idéia que fiz ao escutar a mulher foi a de Davi, Moisés, Asafe e todos os que escreveram o livro dos Salmos, que depois foram compilados e organizados pelo Rei Ezequias de Judá, dando para eles a disposição de capítulos, como hoje conhecemos.

Depois de um tempo pensei melhor e consegui perceber o que ela disse realmente. Que salmista é aquele que consegue lapidar sua dor imediata, tornando-a uma arte perene. Aquele que aprendeu a chorar com estilo, cadência e simetria. Sente dor como os outros, embora a exprima com sentimento e rima. Salmista é todo aquele que consegue orar, como Myrthes Matias, em sua poesia “Ao Senhor dos Pequeninos”:
“Faze-me Senhor pequena ostra
Que em pérola transforma sua dor
Podendo transformar o meu problema
Numa mensagem em forma de poema
Capaz de transmitir paz e amor”

Sendo assim, aceitei a comparação honrosa que me foi feita, acrescentando em meu coração que salmistas todos nós somos, apesar de que alguns não tenham ainda percebido isto. Se fizermos pérolas das nossas dores, seja escrevendo uma crônica, seja fazendo uma rima, seja pintando um quadro ou escrevendo uma canção, sem perceber estaremos nos tornando os salmistas do século vinte e um. Um dia, quem sabe, irão contar a história do nosso tempo a partir dos nossos lamentos, da nossa arte, das nossas dores transformadas em canção.

E o mais precioso dessa experiência é percebermos o quanto as pessoas se identificam com aquilo que compartilhamos. Algumas pessoas se aproximam de mim e dizem: “Por favor, canta aquela minha música?”, referindo-se a uma das canções que eu compus e que lhes falam diretamente ao coração. Da mesma forma que eu me acostumei a me identificar com os Salmos de Davi e todos os que escreveram esse belo livro da Bíblia. “Acho que você é um salmista”, ela disse. Acho que faltou eu responder: “Sou sim. Igualzinho a você”!

sexta-feira, 12 de junho de 2009

VALENTINE

DAY!



Tenho me dado conta da facilidade que desenvolvi em guardar datas. Não qualquer data, mas aquelas que são significativas para mim. E, a partir das datas que me vêm à lembrança resolvi contar para vocês essa história.

10/01/85 – Morávamos em Valparaizo de Goiás, a cinqüenta quilômetros do Plano Piloto em Brasília. Eu havia chegado pouco tempo antes, de volta do Rio de Janeiro, um pouco mais desiludido e frustrado que quando parti. No semestre anterior havíamos participado de uma ópera maravilhosa, escrita por George e Ira Guershwin, “Porgy and Bess”, apresentada a primeira vez em 1935, eternizando a cena em que Clara, esposa do pescador Jake está embalando o seu bebê e cantando a mais conhecida de todas as canções dessa peça:


Summertime, and the living is easy
Fish are jumping and the cotton is right
O your daddy is rich and your mommy is good looking
So rush, little baby, don’t you cry…


Naquela manhã, mais ou menos às dez horas meu pai chegou de São Paulo, para onde viajara logo após sair da empresa em que trabalhava em Brasília. Recém Formado em Direito, tinha aberto seu escritório pouco tempo antes e, com o dinheiro da indenização que recebera comprou um Chevrolet Caravan, modelo 1978, dourado. A proposta era de viajarmos naquele mesmo dia para Fortaleza, no Ceará, lugar para onde minha irmã Eloá tinha se mudado com o Marido e dois filhos, Rebeca e Tiago, no ano anterior.

Lamentavelmente, minha irmã havia perdido seu filhinho de apenas um ano e meio, vítima de uma pneumonia severa que lhe abateu em junho de 84. O objetivo do meu pai era fazer-lhe uma surpresa e ajudar a consolar seu coração com a nossa chegada. Lá em casa era assim: para viajar não mediamos distâncias. Às quatro da tarde já estávamos dentro do carro, em direção àquela cidade misteriosa para todos nós. Iríamos conhecer in loco a provação nordestina, como era comum se referir àquela parte da federação.

12/01/85 – Chegamos a Fortaleza no começo da tarde, cumprindo assim uma jornada de quase quarenta e oito horas de viagem. Eloá nos recebeu chorando muito de alegria. Foi uma coincidência feliz o fato de a Igreja Betesda, na qual ela e seu marido Domingos trabalhavam estar inaugurando seu templo, na rua Dr. José Lourenço, paralela com a Avenida Barão de Studart. Quando chegamos ao culto, fomos surpreendidos por uma enorme tenda azul e branca, vanguarda absoluta em termos de templo cristão no lugar. Linda, a igreja parecia uma nave espacial, que logo chamou a atenção da sociedade cearense.

Abarrotada de pessoas, era impossível entrar na igreja naquela noite. Porém, minha irmã deu a volta na tenda, entrando pelos fundos que davam acesso ao púlpito e, conseguiu se aproximar do pastor Ricardo Gondim, presidente da Betesda e falou sobre mim:

- Pastor, meu irmão chegou de Brasília e está aqui hoje. Ele toca piano. Talvez possa nos ajudar na igreja. O que o senhor acha? O pastor imediatamente mandou me chamar e assim pude entrar na Betesda pela porta dos fundos, ou seja, já comecei pelo púlpito! Foi o primeiro contato com a comunidade que deveria, a partir dali, mudar radicalmente a minha vida.

Quinze dias bastou para que nos apaixonássemos pelo lugar, suas praias de água morna, sua temperatura constantemente alta, sua água de coco gelada e o peixe mais gostoso que já provei – o pargo inteiro, servido com baião-de-dois, paçoca, batatas fritas e queijo de coalho. Fui apresentado aos sucos exóticos de siriguela, cajá e graviola, aprendi a comer caranguejo e rapidamente me vi cercado de pessoas maravilhosas da igreja. Entre elas, Jacqueline.

Jackie, como eu logo me habituei a chamá-la era uma espécie de filha adotiva do Ricardo e da Gerusa. “Mudava-se” para a casa deles nos fins de semana, devido as muitas atividades da igreja, o que tornava prático o seu acesso. Como grande parte das pessoas ali, estava terminando seu curso de inglês, além de estudar no curso de Letras pela Universidade Estadual do Ceará. Com cabelos cacheados e curtos, logo chamou minha atenção, que aumentava cada vez mais, na medida em que estudávamos juntos – Ela me ensinava inglês e eu lhe ensinava piano. Mal sabia eu a importância que essa mulher teria em minha vida.

15/03/85 – Foi quando nos mudamos definitivamente para Fortaleza. Depois de voltarmos à Brasília, vender o que tínhamos decidimos voltar ao Ceará. Lembro-me com a clareza do sol ao meio dia, os primeiros sentimentos ao chegar novamente à cidade. Quando vi a placa indicativa de que havíamos chegado ao nosso destino fiz uma pequena oração, pedindo a Deus que me ajudasse a fazer meu nome ser respeitado naquele lugar. Não sei por que, mas senti necessidade de orar assim.

Daquele piano que toquei na primeira noite nunca mais saí. Tornei-me o líder do louvor da igreja, indo assim direto para um ministério na Betesda. Pastor Ricardo tornou-se logo de cara um referencial para minha vida. Passados vinte e cinco anos de convivência, ainda hoje eu celebro o dia em que o conheci. Amo profundamente ao homem que participou ativamente dos momentos mais emocionantes da minha história a partir de então.

20/04/85 – Era um sábado. Havia uma reunião dos jovens da igreja, liderados pelo Carlos Eugênio. Depois da reunião estávamos nos organizando para conhecer uma nova lanchonete que havia na cidade. Era em um centro católico de evangelização chamado Shalon. Eu ainda estava conversando com uns amigos quando senti a mão do Ricardo me envolver em um abraço, guiando-me até onde a Jackie estava. Não disse nada, apenas segui obediente ao meu líder. Ao chegar ali, ele formalmente nos apresentou:


- Allison, esta e a Jacqueline. Jacqueline, este é o Allison. VAMOS NAMORAR, NÉ GENTE?
Jacqueline enrubesceu, abrindo um sorriso envergonhado enquanto olhava para mim. Eu sorri e, num gesto quase reflexo disparei:
- Olha minha irmã, a Bíblia manda que obedeçamos aos nossos pastores! Ricardo soltou uma de suas risadas gostosas, compreendendo que eu havia captado a mensagem perfeitamente. Ele saiu de perto, mas nós continuamos.

Fomos juntos à lanchonete e naquela noite nos beijamos a primeira vez. Era o início de uma relação que dura até hoje. Senti desejo de contar pela força do dia em que se comemoram os namorados. Temos conseguido namorar através desses anos todos, o que me deixa muito feliz em saber. Claro que atravessamos crises agudas, sendo feridos por causa de algumas pedras pontiagudas que sentimos na estrada. Mas, ao avaliar a caminhada até aqui, assumo que valeu à pena e continua valendo.

Sei que estou longe de ser o marido ideal, com minhas manias, minhas neuroses e ambigüidades. Mas, percebo que a Jacqueline consegue estimular o melhor de mim. Consegue ver em mim capacidades que às vezes esqueço ou não percebo. Ela com certeza me faz querer ser um homem melhor a cada dia. Celebro hoje, no dia dos namorados, uma mulher encantadora, linda, versátil, moderna, inteligente e sensível que a vida tem me dado a honra de chamar de esposa.

Jackie, eu amo você. Feliz dia dos Namorados!

terça-feira, 9 de junho de 2009

PUXE A CORDINHA!
Allison S. Ambrósio

Eu estava mergulhado em reminiscências, nostalgias e devaneios, meus companheiros prediletos nos momentos de solitude. Ela chegou de repente, com um ar grave bem diferente dos seus ares naturais. Uma amiga da nova safra, de uma pureza quase totalmente infantil, dentro do corpo de mulher feita.

Vinha triste, pois ouvira de um parente próximo uma série de “profecias” ruins: “você é uma psicopata, uma doença, um demônio! Vai morrer de câncer igual à megera da tua tia!”. Lágrimas escorriam de seu rosto, a cada pausa em sua narrativa. E eu? Eu fiquei ali, pasmo de perceber a enfermidade da alma de quem feriu tão profundamente aquela moça.

Não resisti e contei na hora de consolá-la, a historinha do japonês e da bomba. Ouvi dizer que, depois da bomba de Hiroshima explodir, quando procuravam sobreviventes dentre os destroços encontraram um japonês com as calças arriadas até aos joelhos, uma pequena cordinha em uma das mãos e gritando desesperado: “Não fui eu! Não fui eu! Eu só puxei a cordinha!”.

Ela riu gostosamente e, como criança inocente parou imediatamente de chorar. Expliquei que sua preocupação era a mesma do japonês, responsabilizando-se pela atitude dos outros. E quem foi que lhe disse sobre você ser mesmo aquilo que pensam de você? Continuei explicando que muitas coisas que são ditas sobre nós são tão estapafúrdias e despropositadas, que só nos resta fazer o mesmo que o japonês ao puxar a cordinha. Porque tais informações são tais e quais ao material que o motivou a dar descarga em seu aparelho! Não temos que deixar grudar em nossos corações as pragas que nos são arremessadas.

Àquela pessoa eu acho que consegui salvar, mas, e as milhares de outras que, por não puxarem as cordinhas afundam cada vez mais em sua dor, seu complexo ou trauma? Quem irá consolar as que estão sendo marcadas de uma forma tão cruel que as acompanhará até o fim de suas vidas tristes?

Contei para ela sobre meu irmão mais velho. Quando ele tinha quinze anos de idade e eu apenas sete, ele apareceu lá em casa com um lindo violão. Era um daqueles do tipo sertanejo, cheio de pequenas “peneiras” prateadas, como eu costumava chamar. Ele deu uma ordem taxativa ”Não quero ninguém mexendo no meu violão!”. Ordem dada... IGNORADA! Foi só ele sair para trabalhar que eu abri o armário onde estava o instrumento. Fiquei tocando secretamente durante quase um ano, aprendendo sozinho. Até que tentei afinar o violão. Três cordas arrebentadas depois, vários cascudos do meu irmão e pude me revelar ao mundo!

Mas, o que tem a ver com a história que venho desenvolvendo até aqui? O fim da minha primeira experiência com o violão. Meu irmão, após me agredir com cascudos “profetizou”: “Você nunca irá tocar violão! Você é aleijado! Você é esquerdo! Você não sabe nem segurar o instrumento!”. Eu poderia ter terminado minha carreira ali mesmo, não fosse o fascínio que me causou os sons que aprendi a produzir. Lembro-me de ter respondido, ainda massageando a cabeça dolorida: “Pode deixar, que você ainda vai me ver tocando mais do que você! ”.

Ou seja, puxei a cordinha e deixei ir embora esgoto afora, aquelas palavras tão motivadoras que escutei! Hoje, quinhentas composições depois e vários violões que já tive oportunidade de possuir, percebo o quanto é importante saber descartar certas afirmações, certos vaticínios ao nosso respeito. Se realmente temos o controle de nossas vidas, por que deixar que alguns amargurados a adoeçam, com pragas lançadas pura e simplesmente com o propósito de vomitar suas próprias limitações? Puxe a cordinha!

Terminei de contar essa história para a minha amiga do início do texto. Percebi que ela estava muito melhor do que quando chegou. Fiquei feliz também, pois consegui transformar algo que poderia ter sido nocivo ao meu coração, em anticorpos para debelar as bobagens que nos são atiradas pelas bocas irresponsáveis que tagarelam ao redor de nós!

Aliás, hoje eu toco violão melhor que o meu irmão... Desculpe, mas até para esse tipo de gabolice... PUXE A CORDINHA!

quarta-feira, 3 de junho de 2009

INFRAÇÃO DE VIDA!
Allison S. Ambrósio

Fui visitar uma mulher no hospital. Não havia nada que ela pudesse fazer para me retribuir a visita, ou a atenção que lhe estava dispensando. Na realidade, trata-se de uma pessoa que precisa desesperadamente de ajuda. Dependente química, moradora de rua eventual e abandonada pelos próprios filhos, viu-se adoentada de pneumonia e encostada sobre uma maca nos corredores de um hospital público.

Caminhar pelo corredor até o lugar onde ela deveria estar foi uma das provações mais fortes que tive no dia. Rostos desfigurados pela dor, olhos fundos e vítreos de desesperança e silêncio... Não o silêncio da paz no descanso, e sim o silêncio do abandono e da solidão, companheiros freqüentes desses lugares.
Ela não estava lá. Já havia saído para mais uma bateria de exames, devido a um inchaço no abdome. Confesso ter sentido um pequeno alívio. Seria hipócrita se não admitisse. Apesar da necessidade pastoral de estar ali, nem de longe eu reputaria como um exercício fácil para mim. Queria sair dali o mais rápido possível, de preferência sem olhar muito nos olhos daquelas criaturas, pela horrível sensação de impotência que me habitava. Gostaria de poder tocá-las com cura, com solução definitiva, com esperança. Ao empreender minha fuga interior percebi estar fugindo de mim mesmo, dos meus medos e das minhas enfermidades na alma.

Cheguei até o meu carro no momento em que o guarda estava terminando de lavrar uma multa por eu ter parado no lugar errado, na hora errada. Tentei argumentar que era um líder cristão em missão de socorro a uma pessoa, ao que ele respondeu que uma atitude certa não justifica outra errada. O bloco já havia sido marcado e não dava mais para voltar. Uma ira me subiu ao coração, daquelas que a gente sente sem deixar o interlocutor sequer perceber. Afinal, de onde saíra uma primeira multa poderia sair outra por desacato!

Senti-me injustiçado. Achava-me em uma situação onde aquilo parecia inadequado. Um sacerdote em serviço deve estar acima do bem e do mal. Não posso ser julgado por autarquias terrenas, que não discernem “as coisas espirituais”. Mas, e se ele me perguntasse a guisa de buscar razão para cancelar a multa, como foi meu desempenho no hospital? E se, por um bambo do universo, crise de honestidade, uma ação pedagógica de Deus ou coisa que o valha, eu resolvesse dizer com sinceridade e riqueza de detalhes como foi?

“Bem, cheguei e a mulher que eu iria visitar não estava, o que me deixou aliviado, porque eu mesmo não via a hora de sair daquele lugar tão depressivo. Ao retornar pelo corredor das dores, não deixei de perceber um homem com dois enormes nódulos no queixo e no supercílio esquerdos. Fiz-me de morto, com medo de que ele percebesse que eu estava ali para, entre outras coisas consolá-lo. Vi uma menina, cujo papel sobre sua maca indicava problema ortopédico, mas, como estava com um celular em punho, achei que estaria bem , apenas conversando com quem quer que fosse, menos comigo. Vi um homem arfando de dor, reclamando de problemas no coração. Esse sim, quase me fez parar e orar! Esperto, dobrei rapidamente em direção à porta e consegui sair ileso!”.

Ao final de minha narrativa, contemplando, talvez, o rosto decepcionado do guarda que, queira ou não estava apenas cumprindo o seu papel, acho que eu mesmo lhe diria envergonhado: “PODE LAVRAR MAIS UMA PRA MIM, POR FAVOR?”