terça-feira, 9 de junho de 2009

PUXE A CORDINHA!
Allison S. Ambrósio

Eu estava mergulhado em reminiscências, nostalgias e devaneios, meus companheiros prediletos nos momentos de solitude. Ela chegou de repente, com um ar grave bem diferente dos seus ares naturais. Uma amiga da nova safra, de uma pureza quase totalmente infantil, dentro do corpo de mulher feita.

Vinha triste, pois ouvira de um parente próximo uma série de “profecias” ruins: “você é uma psicopata, uma doença, um demônio! Vai morrer de câncer igual à megera da tua tia!”. Lágrimas escorriam de seu rosto, a cada pausa em sua narrativa. E eu? Eu fiquei ali, pasmo de perceber a enfermidade da alma de quem feriu tão profundamente aquela moça.

Não resisti e contei na hora de consolá-la, a historinha do japonês e da bomba. Ouvi dizer que, depois da bomba de Hiroshima explodir, quando procuravam sobreviventes dentre os destroços encontraram um japonês com as calças arriadas até aos joelhos, uma pequena cordinha em uma das mãos e gritando desesperado: “Não fui eu! Não fui eu! Eu só puxei a cordinha!”.

Ela riu gostosamente e, como criança inocente parou imediatamente de chorar. Expliquei que sua preocupação era a mesma do japonês, responsabilizando-se pela atitude dos outros. E quem foi que lhe disse sobre você ser mesmo aquilo que pensam de você? Continuei explicando que muitas coisas que são ditas sobre nós são tão estapafúrdias e despropositadas, que só nos resta fazer o mesmo que o japonês ao puxar a cordinha. Porque tais informações são tais e quais ao material que o motivou a dar descarga em seu aparelho! Não temos que deixar grudar em nossos corações as pragas que nos são arremessadas.

Àquela pessoa eu acho que consegui salvar, mas, e as milhares de outras que, por não puxarem as cordinhas afundam cada vez mais em sua dor, seu complexo ou trauma? Quem irá consolar as que estão sendo marcadas de uma forma tão cruel que as acompanhará até o fim de suas vidas tristes?

Contei para ela sobre meu irmão mais velho. Quando ele tinha quinze anos de idade e eu apenas sete, ele apareceu lá em casa com um lindo violão. Era um daqueles do tipo sertanejo, cheio de pequenas “peneiras” prateadas, como eu costumava chamar. Ele deu uma ordem taxativa ”Não quero ninguém mexendo no meu violão!”. Ordem dada... IGNORADA! Foi só ele sair para trabalhar que eu abri o armário onde estava o instrumento. Fiquei tocando secretamente durante quase um ano, aprendendo sozinho. Até que tentei afinar o violão. Três cordas arrebentadas depois, vários cascudos do meu irmão e pude me revelar ao mundo!

Mas, o que tem a ver com a história que venho desenvolvendo até aqui? O fim da minha primeira experiência com o violão. Meu irmão, após me agredir com cascudos “profetizou”: “Você nunca irá tocar violão! Você é aleijado! Você é esquerdo! Você não sabe nem segurar o instrumento!”. Eu poderia ter terminado minha carreira ali mesmo, não fosse o fascínio que me causou os sons que aprendi a produzir. Lembro-me de ter respondido, ainda massageando a cabeça dolorida: “Pode deixar, que você ainda vai me ver tocando mais do que você! ”.

Ou seja, puxei a cordinha e deixei ir embora esgoto afora, aquelas palavras tão motivadoras que escutei! Hoje, quinhentas composições depois e vários violões que já tive oportunidade de possuir, percebo o quanto é importante saber descartar certas afirmações, certos vaticínios ao nosso respeito. Se realmente temos o controle de nossas vidas, por que deixar que alguns amargurados a adoeçam, com pragas lançadas pura e simplesmente com o propósito de vomitar suas próprias limitações? Puxe a cordinha!

Terminei de contar essa história para a minha amiga do início do texto. Percebi que ela estava muito melhor do que quando chegou. Fiquei feliz também, pois consegui transformar algo que poderia ter sido nocivo ao meu coração, em anticorpos para debelar as bobagens que nos são atiradas pelas bocas irresponsáveis que tagarelam ao redor de nós!

Aliás, hoje eu toco violão melhor que o meu irmão... Desculpe, mas até para esse tipo de gabolice... PUXE A CORDINHA!

6 comentários:

Elem disse...

É mesmo, somos afetados pelas palavras, principalmente quando ditas por aqueles que amamos. Temos um grande desafio em ordená-las, pois se parecem com pedras. Podemos construir, enfeitar jardins, jogar, deixar, chutar, e até engolir quando não catamos o feijão direito. Palavras são assim, possibilidades de criações, feias, bonitas, que promovem vida ou morte. Você é sabido, criativo e sensível, vive enfeitando a vida de muita gente, é um artista que ordena magistralmente as pedras no caminho.

Allison Ambrosio disse...

Nossa! Depois de um elogio desses, HAJA ENFEITE! hehehe! Obrigado pelo seu carinho, Elem.

Jackie Kauffman Florianopolis-SC disse...

Meu amor, o tempo passa e a cada dia aprendo mais com você. Você me surpreende, me encanta e me conquista a cada dia.... Bjs mul amore

Bá Reis disse...

Amigo querido. Você toca e muito bem. Toca lindamente.
O negócio é lembrar que temos uma cordinha p/ puxar. É só conseguirmos olha p/ lado naquele exato momento de indignação e ela vai estar. É só puxar.
beijos

Lian disse...

Adorei Allison, vou colocar em prática, pra que ficar se envenenando com pessoas amarguradas e mal resolvidas....Examinar tudo, mas só reter o que é bom, para nós e para as pessoas ao nosso redor!!!!

Adriana disse...

Já adotei a expressão, Pajé.
Agora, vira e mexe eu puxo a cordinha! rsrsrsrs
Bjão.

P.S.: Adorei ouvir sua voz naquele telefonema que dei por engano!