quinta-feira, 5 de março de 2009

COMO TATUAGEM

Eu já estava nos últimos quilômetros da minha pedalada matinal. Não significa que estava exausto, pois minha adrenalina estava a mil – a Jackie chegou de viagem ontem e a minha energia voltou! A ciclovia da beira-mar norte de Floripa continua a ser uma higiene mental potentíssima, com dezenas de gaivotas, garças e bem-te-vis. Gente bonita caminhando, correndo ou pedalando como eu. Foi nesse cenário que eu o vi.

Era um rapaz de, talvez, uns vinte e poucos anos, um pouco acima do peso, pele clara, bem falante entre outros três rapazes. Caminhava na mesma direção que eu, o que me possibilitou observar ao pedalar uma enorme tatuagem em suas costas. Uma aranha. Mas, era uma aranha diferente que, além de ser enorme, já havia tecido uma formidável teia ao seu redor. Sempre critiquei aos que pintam todo o corpo de forma irreversível. Dragões, caveiras com fogo nos olhos e na boca, serpentes peçonhentas ou surrealismos gigantes me transportavam para além, para frente, para o futuro, quando nada daquilo faria sentido e, no entanto, faria parte inseparável de suas existências. Não no caso daquela aranha. Havia algo de estranho naquela tatuagem.

Ao me aproximar mais pude perceber um brilho estranho que dela emanava. Algo meio aveludado na parte de trás do aracnídeo, bem como entre vários detalhes da teia, concedendo ao trabalho um quê de seda pendurada naqueles espaços. Foi quando o quadro todo se me apresentou. Metade das suas costas tinha sido queimada de tal forma que, não fosse aquela enorme tatuagem, ele jamais teria coragem de andar sem camisa como estava.

Fiquei encantado com a aranha. E impressionado com o rapaz! Como ele encontrou uma saída artística para o que poderia se tornar um trauma em sua vida. Apesar de não saber as causas daquela horrível queimadura, eu aprendi o valor de se contemplar possibilidades em calamidades, arte no caos, transformando o que seria intolerável em algo sensivelmente belo.

Foi minha lição da manhã. Até as cenas mais tristes e feias da nossa história podem se transformar em obras de arte, capazes de emocionar quem apenas passa ao redor. Daquela tatuagem eu gostei. Não foi apenas uma saída de mestre, e sim uma volta por cima, uma tomada de posição que altera completamente a circunstancia de quem a vive. Se fizermos sempre assim, o mundo viraria uma galeria de arte, nós seriamos mais felizes com as nossas histórias e aquilo que não queríamos sequer mencionar de tão feio, seria marcado pelo belo.

Como tatuagem.

2 comentários:

Bá Reis disse...

Sem palavras...
Um beijo,

Briba disse...

Pois é pr... creio que estou no processo de "tatuação", só que por dentro... quem sabe não salte uma briba reluzente de dentro de mim? Faz uma hora que leio os seus escritos aqui do blog, e me veio a mente como um trailler, flashs de lembranças suas... que bom sabê-lo bem!!!
Ah... será que encontro uma tipóia pink? kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
bjão.