sexta-feira, 7 de março de 2008

DIRETO DO MEU TEMPO DE MENINO

Direto do meu tempo de menino
Allison da Silva Ambrósio

Quando a composição do metrô parou na estação Pavuna, última do itinerário, meu coração disparava descompassado. Subindo escadarias, dividindo espaços entre pessoas apressadas, muitas delas, bancas de frutas ou bugigangas, a marca indelével de que eu estava subindo o morro – um calor sufocante.

Meu irmão ainda bambeou quanto ao lugar que, como por encanto me surgiu à mente: Rua Capitão Gouveia, a rua do meu avô Albertino José da Silva e minha avó Julieta Peçanha da Silva. “O senhor dobra na próxima à direita e pode subir uma ou duas ruas. Uma delas é a Capitão Gouveia!”, me disse uma voz esparramada e cordial de um carioca da gema, esforçando-se para criar um mapa apenas dos movimentos das mãos.

Cada passo em direção a casa aumentava um desejo incompreensível de chorar e rir. Era como entrar em um túnel do tempo, observando ruas agora asfaltadas, nas quais corri atrás das pipas perdidas pelas linhas com serol. Tentava lembrar onde era a casa da tia Nadir, esposa do Tio Eunésimo, um tio mais afastado do convívio dos demais, embora igualmente querido.

Foi meu irmão que encontrou a casa. Ou melhor, as várias casas construídas naquele endereço. Um garoto bonito, cabelo bem cortado e aparado quase artisticamente ia saindo lá de dentro. “Oi, você mora aqui?”, “sim”, “estou procurando a casa do Edgard, você conhece”, “conheço, é meu tio”, “então, você é meu primo!”, “sou?”, “é! Como é seu nome?”, “Clayton”, “você é filho de quem?”, “do Seu Ronaldo”, “da Rosangela?”, “é sim!”, “Conheci teu pai quando ele ainda namorava tua mãe!”, “é mesmo?”, “onde ela está? Ela está em casa?”, “está sim! Vou só prender o cachorro”.

Pouco tempo depois surge uma mulher com os olhos bem abertos, como que tendo uma visão. Abraços e beijos carregados de emoção e saudade, fotos antigas e novas, telefonemas para os demais que não seriam alcançados pessoalmente e, como num flash back, voltei trinta ou trinta e cinco anos pelo menos no tempo. Soube dos que morreram e dos que teimaram em continuar. Vi primos, antes esquálidos e pequenos, agora gordos e ostentando cabeças prateadas e muitas marcas de expressão.

O choro é inevitável. Mais beijos e abraços. Mais lembranças gostosas de serem vividas. Sair de lá e voltar para o lugar onde a minha mulher me aguardava para almoçar foi algo suave e marcado pela ternura. De um lugar castigado pelo caos da violência urbana, pelo despreparo dos governantes e pela falta de políticas sociais mais justas, consegui encontrar um oásis de paz e alegria, nas lembranças do meu tempo de menino.

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