domingo, 9 de março de 2008

O SALVADOR DO MUNDO
Allison da Silva Ambrósio

Não raro, sinto em meu coração um desejo inexplicável de sair solucionando os problemas de todas as pessoas ao meu redor. Imagino-me perguntando a um: “quanto você está devendo?”, e a outro: “você já falou para ela o quanto a ama? É só isso que ela está esperando de você”.

Lembro-me de tantas vezes que desejei, quando em um velório, tocar suavemente as gélidas mãos do defunto, esperando fluir de mim uma carga extraordinária de poder e sopro de vida. Afora algumas velhinhas que em meus devaneios não suportariam tal visão, o resultado seria fantástico. Para o Reino de Deus, é claro! Ok: sobraria alguma pequena glória para mim também.

Mas, por que essa sanha de tornar-me o salvador do mundo? Por que eu, inclusive? Essa mania perversa de querer consertar as coisas e pessoas ao meu redor, tendo sempre a última palavra e a última sugestão sobre tudo. Essa forma parcial de querer ver resolvidas as coisas sempre a meu favor. Essa impaciência em ter que escutar os argumentos do outro e, pior de tudo, quando tenho de admitir que são melhores que os meus.

Por que ser salvador do mundo, se nem mesmo meu mundo eu consigo organizar direito? De onde surge esse desejo de, como diz o sertanejo nordestino, “dar pitaco” na vida alheia, me ofendendo, inclusive, quando minhas sábias ponderações não são recebidas assim, com ações de graças?

Por que ser salvador do mundo, se encontro o meu próprio mundo sistematicamente burlado por minha visão míope da vida. Se meus desejos aflorados tendem a querer suplantar minha razão, fazendo-me vitima de meus próprios instintos. Por que eu? Tal qual o personagem de Robert Duval, no filme “O Apóstolo”, quero entrar no primeiro rio que encontrar e, com uma pequena cuia, me auto-consagrar apóstolo, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ainda que essas três pessoas santas não fossem sequer convidadas para o ato.

Talvez, por uma necessidade de aceitação. A melhor forma de se tornar necessário é tendo o que doar, com o que contribuir. Principalmente em um mundo utilitário, como se tornou o nosso, quem estiver disposto a dar de si mesmo e, melhor ainda, daquilo que tem granjeado ao longo do tempo, com certeza corre o sério risco de ser aceito.

Em busca de aceitação, sou capaz de dizer sim, mesmo que todo o resto do meu corpo esteja gritando não. Para ouvir um pequeno elogio, sou capaz de me expor até o limite do ridículo, se necessário. Salvador do mundo é apreciado por todos. Uma unanimidade. Que seria de Gottan City sem Batman e Robin? E do planeta diário sem o Super Homem? Até o ranzinza do JJ Jamenson, apesar da ira contra o Homem Aranha concorda que a cidade precisa de um super herói.

Mas, quão bom seria se eu fosse apenas eu mesmo. Suportasse me olhar no espelho, contentando-me com a visão. Esse eu autêntico, jamais escondido sob qualquer manto, seja de pureza ou de perversão. Esse eu menino, medroso, inseguro que, apesar de mim, ainda consegue se perceber puro.

Quão bom seria se eu não acreditasse nesse estereótipo criado sobre o meu chassi, que me exige determinado comportamento, ou alguma ação adequada ao meu papel social. Que bom seria ser somente aquilo que posso perceber na solidão da busca que inicio para dentro de mim mesmo.

Por que ser salvador do mundo, se não consigo salvar a mim mesmo? Salvador do meu mundo, talvez? O grande libertador da minha alma sensual e perigosa? A grossa mão que me agarra pelo braço, no meio das ondas famintas da existência, lançando-me como uma folha outonal em direção à areia? Que bom se eu conseguisse ser, tão somente, o salvador do meu mundo...

Salvador de mim mesmo.

2 comentários:

Unknown disse...

Bom encontrar vc Pajé querido.
Sempre me impressiono com sua capacidade de se expor desta forma, tão clara, tão escancarada...
Saudade enorme.
Bjão
Adriana

Allison Ambrosio disse...

Querida Índia, que bom vc ter me achado! Vai ter festa na Taba! Quanto à exposição, é isso aí... A vida é uma exposição constante, não é? Não sei ser diferente. Às vezes firo-me profundamente, mas prefiro assim a ter que representar e não manter minha sanidade!

Beijo enorme!